Impedir que alguém possa aceder aos dados que guardamos na internet é algo que nenhum software pode garantir (ainda). Mas há uma aplicação portuguesa que quer ganhar a corrida pela liderança na proteção de dados. Chama-se SafeCloud Photos e quer ser a “nuvem” de armazenamento de fotografias “mais segura do mercado.” A Comissão Europeia gostou da ideia e vai investir três milhões de euros no projeto minhoto.

A app –– disponível gratuitamente desde quinta-feira em dispositivos móveis Android e Apple — quer ser um “local seguro” por entre “as nuvens”, que “são inúmeras vezes atacadas ou espiadas”, explicou ao Observador Francisco Maia, um dos investigadores responsáveis pela SafeCloud Photos. Mais: quer suscitar uma maior preocupação com a privacidade.

A diferença entre a app portuguesa e outras do mesmo género não está na forma como se carregam os dados, mas na maneira como são armazenados: ao contrário das clouds comuns, a SafeCloud Photos armazena os dados em fragmentos, em diversas plataformas, tornando difícil, “ou quase impossível”, que alguém junte todas as peças.

“Normalmente utiliza-se uma única cloud o que nos obriga, de certa forma, a confiar nesse serviço e na empresa que o assegura”, constatou o investigador do Laboratório de Software Confiável (HASLab) do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), no polo da Universidade do Minho, onde foi desenvolvida a aplicação. Por sua vez, a SafeCloud Photos utiliza “pelo menos duas clouds e não revela absolutamente nada sobre o conteúdo original”, garante Francisco Maia.

A aplicação, que foi desenvolvida por dez investigadores, permite que apenas quem tiver acesso simultâneo a todas as “nuvens”, ou seja, o autor da foto, possa reconstruir a fotografia. Não se trata de “dados invioláveis”, como Francisco ressalva, mas para lá se caminha, espera. Só o facto de o utilizador ter a foto no dispositivo móvel constituiu uma “vulnerabilidade em si mesma”. No entanto, ao nível do armazenamento na “nuvem”, a equipa acredita que não existe nada tão seguro no mercado.

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A forma como os utilizadores utilizam a internet também dificulta a capacidade de os dados serem protegidos. “A segurança tem sempre um preço – nem que seja na maneira de usar as coisas, tornam-se sempre mais complicadas. E nem sempre as pessoas estão dispostas a pagar esse extra de complicação em benefício da privacidade”, afirmou Francisco Maia.

“Estamos inundados de coisas que nos obrigam a partilhar e a publicar e nem sempre questionamos”, afirmou o investigador de 29 anos. Sabendo que “existe sempre esse perigo”, acredita que é possível “cortar caminho” e mostrar à sociedade que “está a ir no caminho errado”. As não tão raras fugas de informação a que o mundo tem vindo a a assistir têm ajudado “a diminuir rapidamente o espaço entre a dificuldade de ter segurança e a importância que os utilizadores lhe dão”, constaram os investigadores.

Como a Jennifer Lawrence inspirou 10 investigadores

A ideia na base da SafeCloud Photos surgiu enquanto os investigadores do HasLab discutiam as fugas de informação vindas de plataformas como a Wikileaks. Francisco lembra-se de conversarem sobre o caso que envolveu a atriz Jennifer Lawrence e de perguntarem como seria possível evitar aquilo que consideraram um ataque à privacidade.

De conversa de corredor à mesa de trabalho foi um passo rápido. Quando perceberam, a discussão já incluía parceiros na Europa e estava prestes a formar-se um projeto europeu, liderado pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores da universidade do Porto (INESC TEC) para combater a violação de dados privados. O objetivo é solucionar o problema das falhas de privacidade em serviços de gigantes da informática como a Google e a Microsoft.

“A Europa está numa posição em que precisa de preservar a privacidade dos seus dados internos, por exemplo, contra espionagem de agências governamentais”, acredita.

Mas ao mesmo tempo que o projeto começava a nível europeu, os investigadores portugueses depararam com tecnologia que acharam viável para o consumidor comum e decidiram esta aplicação “para toda a gente”.

Nos dois anos que se seguem, o projeto quer ser mais do que uma aplicação e trabalhar ao nível das comunicações e do processamento dos dados no lado da cloud é o passo que se segue. “Ainda vai surgir muita investigação por detrás disso”, adiantou Francisco. Para o utilizador comum prevê-se que saiam em breve outras soluções, entre “umas mais óbvias e outras mais interessantes e secretas.” O produto vai ser apresentado na Web Summit, a decorrer em Lisboa de 8 a 10 de novembro.