Colunista João Peças Lopes: O impacto da produção renovável na formação de preços da eletricidade

Colunista João Peças Lopes: O impacto da produção renovável na formação de preços da eletricidade

Os custos associados à produção de electricidade renovável (nomeadamente eólicas) têm sido apresentados nos últimos anos como um fator importante na fatura paga pelos consumidores de eletricidade, com forte impacto na atividade económica e no défice tarifário.

O que está em causa é a produção em regime especial (PRE), que corresponde em Portugal e Espanha à produção de eletricidade efetuada a partir de recursos endógenos renováveis (excluindo as grandes hídricas) ou de cogeração. A energia elétrica produzida nestas instalações é remunerada através de tarifas específicas, fora do mercado de eletricidade, estando garantida a aquisição da totalidade da sua produção pelo sistema elétrico. Costuma designar-se por “sobrecusto da PRE” a diferença entre estas tarifas e o valor do mercado grossista.

De referir que os consumidores industriais, que não pagam qualquer sobrecusto da PRE renovável, não havendo portanto qualquer impacto nesses consumidores que possa ser atribuído às renováveis. Na verdade, vários consumidores industriais são por sua vez produtores de PRE (cogeração), beneficiando das tarifas respetivas. Por outro lado, a redução do preço de mercado, de que se fala mais à frente, beneficia diretamente todos os consumidores industriais.

Também tem que se corrigir a ideia errada de que foi a PRE que criou o défice tarifário. Este surgiu do aumento brutal dos combustíveis fósseis que se verificou a partir de 2006, que teria levado as tarifas de consumo para valores considerados socialmente excessivos pelo governo da época, que decidiu diferir os pagamentos inerentes, criando um défice a ser pago ao longo dos anos. Note-se que, nisto e em tudo o resto, não há qualquer recurso ao OGE ou subsídios do Estado, como por vezes se ouve dizer.

Feitas estas correções, importa salientar um aspeto normalmente não mencionado, que resulta num benefício para os consumidores não contabilizado no cálculo dos sobrecustos: a existência da PRE faz baixar o preço de mercado, reduzindo o custo total da eletricidade proveniente das centrais convencionais. A energia elétrica produzida nas grandes centrais termoeléctricas e hídricas é remunerada através do mercado, como resultado do encontro entre a oferta e a procura, subtraída esta da PRE. Ou seja, o preço final para toda a energia transacionada em cada hora é o preço da última central a ser mobilizada para satisfazer a procura.

Quando a PRE assume um valor significativo, como é o caso dos dias em que existe uma produção eólica elevada, a última central a ser mobilizada para satisfazer a procura tem um custo mais baixo, sendo então que toda a energia eléctrica necessária à satisfação do consumo (com exceção da energia da PRE) é remunerada a preço inferior.

Em resumo, a presença da PRE renovável induz num número significativo de horas uma redução do preço de mercado da eletricidade, levando à redução da factura da eletricidade, em particular para os consumidores industriais. Em anos em que o custo dos combustíveis fósseis é elevado e em anos secos, como está a ser 2017, estes benefícios são mais evidentes.

João Peças Lopes é administrador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) e Professor Catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. É doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e foi responsável por dezenas de projetos nacionais ou europeus nesta área, tais como a definição de especificações técnicas para a integração de energia eólica no Brasil. É vice-presidente da Associação Portuguesa de Veículos Elétricos.

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