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O CÃO E A COBRA

Vulpes pilum mutat, non mores, terá dito Vespasiano a um escravo, a quem negou a liberdade antes prometida por causa dos seus vícios: a raposa muda o pelo, não os costumes. Vem esta reflexão a propósito do que é habitual ver debatido, quando se procura uma agenda para a investigação científica em Portugal. Surgem duas posições em regra antagónicas: o conceito da ciência desamarrada de objetivos imediatos, e o propósito de uma ciência focada em resultados industriais.

Um dos modelos tem a serena virtude de permitir a criatividade inesperada, e de poder afirmar uma independência bacteriologicamente assética: sendo livre, e financiada publicamente, não estaria a ciência servindo agendas ocultas ou privadas ou particulares.

O outro modelo tem a formidável qualidade de permitir explicar à cidadania democrática porque é que vale a pena investir na ciência e, assim, traduzir em Euros o conceito de relevância social.

Porém, a aposta só no que já se é forte, é aposta medíocre. Sem inovação radical, como acharemos oportunidades disruptivas? Como se detetam novos nichos, onde os ganhos costumam ser astronómicos e não apenas incrementais?

É, pois, empolgante apostar em áreas novas, ciências avançadas – o conhecimento universal terá o seu contributo português. Mas, e que resposta dar aos cidadãos, se perguntarem: e onde está a indústria, para esse investimento?

Nem um ou nem outro modelo, levados a extremo, são satisfatórios – e, precisamente, porque cada um tem o que falta ao outro. Entalados entre canis et coluber, o desafio que temos pela frente é combinar reforços nos nossos pontos fortes com apostas audazes em áreas disruptivas.

Na definição de políticas, convém compreender o cão e a cobra. É por isso que é um erro identificar áreas robustas, com conexão industrial, dando-lhes apropriada prioridade nos financiamentos, e outras, disruptivas, por vezes designadas de wild cards, para depois não lhes atribuir prioridade alguma nos financiamentos.

Isto tanto vale para a estratégia do INESC TEC, como para políticas regionais ou para uma política nacional de ciência de tecnologia. Nesse plano maior, todos os atores contam: as pessoas certamente, as instituições fundamentalmente – e as políticas inteligentes, iluminadas, abrangentes, de modo decisivo.