A Vós a Razão
And now for something completely different...[1]
*Por Ângelo Martins
Quando me convidaram para escrever este texto não fazia a mínima ideia sobre o que escrever. Disseram-me que o tema era livre. Sobre o que me ia na alma. Uma eventual justificação para o convite teria sido a minha recente nomeação para a coordenação do CSIG, devendo o texto estar relacionado com isso. Então aqui vai algo politicamente incorreto...
Há mais de 20 anos que sou colaborador de entidades pertencentes ao estado Português e sempre me irritou solenemente o modelo de gestão que incentiva o cumprimento irredutível do plano/orçamento anual, mesmo que isso represente o uso menos apropriado (é eufemismo...) de saldos não executados, frequentemente por razões válidas, que podiam muito bem transitar para o exercício seguinte. O carácter “imutável” do orçamento anual (só não se percebe porque a despesa ultrapassa sempre o previsto) pode simplificar o processo contabilístico, mas é economicamente errado. O país não é um projeto com início e fim, tem continuidade, pelo que a aplicação draconianamente de exercícios estanques às entidades públicas na base do sistema, como é o caso das instituições de ensino superior, dificulta sobremaneira a boa gestão destas entidades. E quando, por boa gestão ou por “azar”, a uma entidade lhe sobra algum dinheiro, o mais provável é que fique sem ele. É merecido. Foi incompetente, não o gastou...
O INESC TEC não é propriamente uma entidade pública, mas grande parte da sua atividade está relacionada com entidades públicas, especialmente a FCT, nomeadamente através de projetos com financiamento público nacional ou europeu. Ou seja, estamos presos ao ditame de “gastar dentro do prazo”. No contexto de projetos, isto faz todo o sentido. Os recursos são naturalmente para gastar no projeto.
Mas a organização não é um projeto e temos recursos de base/estruturantes que têm aplicação transversal na organização (e.g. infraestrutura computacional, etc.) ou numa área científica (e.g. laboratórios). Os primeiros são normalmente suportados pelos overheads dos projetos e pelo financiamento plurianual da FCT. O mesmo não se poderia aplicar aos segundos? Depende...
Os equipamentos estruturantes/laboratórios resultam normalmente de um financiamento específico, que cobre essencialmente os custos de aquisição e instalação. A operação a longo prazo tem de resultar da utilização do equipamento/laboratório. Não podia estar mais de acordo com o princípio. É um incentivo à utilização rentável do próprio equipamento, que deve ter objetivos estratégicos e um plano de desenvolvimento a longo prazo que promova a sua utilização em projetos e atividades de prestação de serviços. Idealmente, os resultados da atividade deveriam ser suficientes para a operação sustentada e a própria evolução do equipamento. Acho que estaremos todos de acordo, mas será que é mesmo assim?
Nos projetos, está normalmente previsto o financiamento de novos equipamentos e a utilização de materiais e recursos humanos necessários à utilização de equipamentos existentes. A evolução dos modelos de financiamento dos projetos, com aumento da componente de autofinanciamento e baseado na amortização durante o projeto, não facilita o processo. Normalmente, será sempre possível ir buscar uns trocos para pequenos equipamentos aos diferentes projetos, mas não é com uma peça aqui e outra acolá que se consegue manter e fazer evoluir um laboratório estruturante. Alguns deles têm equipamentos muito caros e com vida curta, quer por desgaste quer por obsolescência. Em muitos casos podemos estar a falar de 3 a 4 anos. O “cutting edge” é assim mesmo. Muitos destes laboratórios podem necessitar de reinvestimento da mesma ordem de grandeza do valor de instalação findo o período de amortização, em alguns casos ainda antes.
O financiamento plurianual parece ser a fonte de financiamento mais óbvia para este tipo de equipamento, mas tenho muitas dúvidas que seja suficiente para cobrir os custos de todos os laboratórios do INESC TEC. E nem sei se faz muito sentido, porque os laboratórios serão capazes de gerar receitas que deviam ser usadas na sua atualização.
E se pudesse ser um bocadinho diferente? E se os laboratórios pudessem funcionar como “unidades dentro dos centros”[2], funcionando num mecanismo de prestação de serviços aos projetos e atividades de prestação de serviço do centro e de todo o INESC TEC? No caso dos projetos em copromoção, teria de ser pago em géneros (horas de pessoal do laboratório, pequenos equipamentos, materiais, etc.), enquanto que nas subcontratações e prestações de serviços seria em dinheiro.
E, já agora, se os laboratórios pudessem funcionar numa base de financiamento plurianual, i.e., manter uma conta e acumular os saldos para os anos seguintes? Isso permitia a renovação e/ou aquisição de equipamentos caros com receitas próprias, tendo a enorme vantagem de promover o trabalho e a excelência dos laboratórios.
Pode ser muita inocência de alguém que acabou agora mesmo de assumir responsabilidades na gestão de um centro, mas acho nada disto colide com o regime jurídico do INESC TEC, nem obrigaria a alterações significativas no funcionamento da instituição. Ou seja, não teria quase custos de implementação, mas acho que teria um impacto muito positivo nos resultados científicos e financeiros.
Por vezes, pequenas coisas podem tornar tudo completamente diferente.
Um bom ano de 2016
*Coordenador do Centro de Sistemas de Informação e de Computação Gráfica (CSIG)
[2] Perdoem-me o trocadilho, mas não resisti, são muitos anos a viver com unidades.
[1] Monthy Pyton (1971), http://www.imdb.com/title/tt0066765/