O talibanismo obstinado
O problema da pretensa oposição entre a valorização do conhecimento gerado pela ciência e uma excelência na ciência tem hoje uma relevância em muitos países que não era habitual encontrar. Portugal não escapa a este conflito conceptual.
O combate não é tanto entre ciência e transferência de tecnologia, isto é uma descrição equivocada do problema. O debate que mói, por vezes em surdina e outras às escâncaras é, na verdade, entre os fundamentalistas que tomam a ciência como objetivo e os moderados que a tomam como objeto.
Ou, dito de outra forma: entre os talibãs que exigem purificação da ciência e os laicos que entendem que o conhecimento pode ser trabalhado de modo a permitir a sua valorização social mais imediata.
O que os une é que ambos os grupos desejam e respeitam o conhecimento, o rigor, a independência, a ciência. O que os divide é que aos primeiros atrai o umbigo belo e aos outros essa forma de autoapreciação lhes repugna. A uns a utilidade do conhecimento aparecerá por espontânea geração e os outros apercebem a necessidade de esforço e empenhamento para que isso aconteça.
Os muftis têm tiques: entendem que o valor da ciência se basta a si mesmo. Por isso, na avaliação de investigadores e instituições e méritos o foco é o paper counting. Os leigos aceitam a contabilização mas pugnam por que se meça também a importância e impacto do conhecimento gerado.
São duas visões filosóficas que devêm ideológicas. São duas perspetivas que têm o mesmo ponto de partida, mas só uma tem ponto de chegada.
Os radicais exigem boa ciência. Para o INESC TEC, a transferência de tecnologia é igualmente importante – mas não há boa transferência onde não houver boa ciência. São partes indivisíveis do mesmo conceito: que o conhecimento gere felicidade tendo relevância social. São complementares, ambos necessários em estreitamento íntimo.
Este Editorial não é neutro nem tresanda a assepsia. O INESC TEC sabe quantas faces tem uma folha de papel – e não se posiciona para dizer que a pureza exige que cada folha tenha apenas uma. A abertura da ciência à sociedade exige coexistência de visões, valores e missões. Moebius é intelectualmente interessante, mas fecha-se sobre si mesmo.