VIGILÂNCIA CÍVICA
Foi publicitariamente celebrada a estreia da nova série Spacetime Odyssey. Na esteira do mítico Carl Sagan, vem o poder da imagem e da narrativa revisitar, de forma atualizada, o que sabemos sobre o Universo.
A série COSMOS de 13 episódios arrastara há anos para o sonho uma multidão de pessoas, rendidas ao fascínio do astrónomo e astrofísico de Cornell, USA. Hoje, pela mão da National Geographic e pela ação de Ann Druyan, sua esposa, temos a revitalização da série. Com mais Hollywood e menos BBC, parece ser ainda tecida do mesmo pano: a origem, essência e destino do universo e a condensação do conhecimento humano em linguagem acessível mas rigorosa, cativando pela via onírica o que apenas a racionalidade descreve.
Mas a crónica não é sobre o programa – é sobre a necessidade permanente de credibilização da Ciência. Não surpreende, mas não cessa de espantar, a reação virulenta que certos círculos fundamentalistas americanos logo exibiram contra o primeiro episódio. A alegação mais pacífica terá sido a de que se tratava de propaganda ateísta – e logo misturaram, no mesmo cadinho, o big bang e a evolução biológica. A leitura de variados blogs americanos, bem como de comentários em muitos sites, mostra bem como a águia está doente: a sua ciência é das mais avançadas, mas os seus cidadãos renegam-na.
A publicitação do recente inquérito sobre as convicções dos americanos é demolidora: 26% não sabem que a Terra revolve em volta do Sol, 52% não sabem – leia-se, não aceitam – que os seres humanos evoluíram de seres mais primitivos, 61% não aceitam que o universo tenha começado por uma explosão inicial. Esta querela americana de fundo religioso (liderada pelos interpretacionistas literais da Bíblia) tem tudo o que é preciso para dar errado: alia fanatismo com política. Junta fundamentalismo com partido. Mutatis mutandis, é o Irão de Khomeini na versão do Tio Sam. Existem, então, os bons e os maus, e uma trincheira a isolá-los. É a derrota do racionalismo e o regresso à Inquisição.
E isso que nos sirva de lição: que o nosso equilíbrio como sociedade passa pelo contínuo esforço de credibilização da ciência – porque os cidadãos são presa sempre potencial de mitos e emoções populistas. Quando a ideologia contamina a ciência, ou a comunicação de ciência, ou a política de ciência, está aberta a porta do relativismo e estendida a passadeira vermelha à superstição. Está feito o caminho para que os cidadãos reneguem o valor do conhecimento – porque passa a jogar-se o simplório jogo do ‘nós contra eles’ e não importa mais a verdade, apenas o clube a que se pertence.
Apresentar a ciência em Portugal como um bando de gastadores é ilegítimo e pernicioso. É não compreender que a desvalorização social da ciência tem custos económicos incalculáveis para o país. Talvez este argumento seja o necessário para sensibilizar aqueles que, transitoriamente no poder, qualquer que esse seja, político, económico ou de comunicação social, apenas leem o futuro no mostrador de uma calculadora ou na folha do Excel.
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