Asneira Livre
Os dois irmãos
Por Nelson Knak Neto*
Acredito que ao convidar um estrangeiro para escrever o “Asneira Livre”, espera-se algum comentário interessante ou engraçado sobre a vida em Portugal. A comida, o dia a dia dos portugueses, as festas, enfim, tudo aquilo que caracteriza a cultura portuguesa. E por mais que todos os estrangeiros do INESC TEC sejam convidados a escrever sobre esse tópico, acredito que sempre haverá alguma história diferente a ser contada. Espero que, no meu caso, não seja diferente. Sou brasileiro, aos que ainda não haviam percebido pela escrita, e tenho desenvolvido as atividades do meu doutoramento no CPES desde abril. Durante esses seis meses, tenho aprendido muito sobre essa magnífica cultura e, confesso, tem sido muito além do que eu esperava.
Sempre gostei muito de viajar, conhecer lugares e culturas diferentes. Por razões históricas conhecidas, sempre acreditei ser bom conhecedor das culturas brasileira e portuguesa. Logo, Portugal não fazia parte das minhas preferências, tanto para passeio quanto para estudos. Todavia, acabei por vir para cá e, desde o primeiro minuto, percebi que tudo aquilo que conhecia era pouquíssimo perto do que Portugal tem a oferecer e que essa seria uma interessante jornada.
À primeira vista, percebe-se logo que apesar de falarmos a mesma língua, há grandes diferenças de sotaque e também no sentido dado às palavras. Entretanto, isso não foi algo que me impressionou, pois também acontece no Brasil. Se saíres do extremo sul e fores para o norte ou nordeste brasileiro, vais perceber uma diferença tão grande na língua falada quanto a que qualquer brasileiro percebe ao chegar aqui. Por isso, acho engraçado quando dizem aqui que falamos “brasileiro” e não “português”.
No meu caso, o que mais me marcou até agora, é o facto de muitos portugueses não acreditarem que eu sou brasileiro. Em muitos lugares que chego, o primeiro contato é em inglês. Quando respondo “Eu falo português!”, geralmente ouço como resposta “Que bom que já aprendeste”. Essa estranheza pode ser justificada pelo meu estereótipo. A região de onde eu venho foi colonizada por alemães. Logo, é muito comum encontrar pessoas de pele, olhos e cabelos claros e com sobrenomes (apelidos) diferentes. O espanto continua quando digo que o frio do inverno não é novidade. Venho do sul do país, onde os invernos são muito frios, apesar de não nevar. Quando digo que não gosto de futebol e de samba, pronto, há ainda mais razões para duvidarem da minha nacionalidade. Na minha terra, a festa mais tradicional não é o Carnaval e sim a Oktoberfest, o prato mais tradicional é a cuca (kuchen) e um esporte muito comum por lá é o tal de “Eisstockschiessen”.
Essa estranheza toda parece ser engraçada. Mas também é triste. Triste porque me fez perceber que aqui sabe-se pouquíssimo da diversidade étnica e cultural que existe no Brasil. Assim como nós vemos Portugal como o lugar onde só se come bacalhau e o português na imagem caricata do Manuel da padaria, por aqui vê-se apenas o Brasil da criminalidade, das praias e do Carnaval do Rio de Janeiro e o brasileiro malandro, descompromissado e que não gosta de trabalhar. Como consequência, eu, como brasileiro, sinto uma barreira invisível para desenvolver qualquer relação, seja de trabalho ou de amizade. Antes de mostrar que sou bom, preciso provar ser diferente desse conceito padrão e generalizado do que é Brasil e dos brasileiros.
Já refleti e discuti muito sobre isso em busca das razões para essa estranheza de ambas as partes. Entendi isso como a relação de dois irmãos. O mais velho, cheio de experiências, criou o mais novo da melhor forma que podia até que esse cresceu a ponto de seguir sua vida por conta própria. Passado algum tempo eles se reencontraram. Entretanto, estranharam-se, pois se viram muito diferentes do dia da partida do mais novo. Não se comunicam mais direito, parecem não encontrar mais afinidade. De um lado, o mais velho acredita que já ensinou tudo que podia ao mais novo. Do outro, o mais novo acredita que já é experiente o bastante e que nada tem a aprender com o mais velho. E dessa birra de irmãos, ambos lados perdem. Se trabalhassem mais juntos e se permitissem conhecer e aprender mais com as novas experiências que tiveram enquanto separados, talvez tornariam ainda mais fortes seus potenciais e solucionariam mais facilmente seus problemas.
Acredito que eu esteja fazendo a minha parte para mudar essa realidade. Não só por estar aqui, mas por estar me abrindo a esse novo mundo, a essa cultura e por estar disposto a aprender. E você?
*Colaborador do Centro de Sistemas de Energia (CPES)