Ciências da computação dão “empurrão” a Darwinismo
cracs-inesc poRTO LA E IBMC FAZEM HISTÓRIA
Investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e do Centro de Investigação em Sistemas Computacionais Avançados (CRACS) do INESC Porto Laboratório Associado (LA) uniram esforços para fazer história na evolução da Teoria da Selecção Natural. Pela primeira vez, o genoma de um animal foi sequenciado por uma equipa de investigadores portugueses. E não se trata de um genoma qualquer: o animal escolhido foi a Drosophila americana, uma mosca cuja diversidade de padrões de longevidade pode explicar, por exemplo, o fenómeno de envelhecimento da população. “Ter o genoma desta mosca completamente sequenciado era uma necessidade para avançar com os nossos estudos”, afirma Jorge Vieira, director do grupo de Evolução Molecular do IBMC, evidenciando que, na base desta “vitória” da Genética, estão os progressos proporcionados pelas Ciências da Computação.
Porque é que alguns humanos vivem mais do que outros?
A equipa do IBMC/CRACS-INESC Porto LA descodificou o genoma de duas estirpes da Drosophila americana, uma espécie de mosca-da-fruta que apresenta grandes variações nos padrões de longevidade. Esta característica torna aquela espécie de mosca num modelo excelente para estudos genéticos sobre envelhecimento de população, uma vez que com base nas diferenças genéticas entre as duas estirpes podem ser encontrados os genes responsáveis pelas diferenças de longevidade das moscas e, eventualmente, dos seres humanos.
Finda a primeira fase do projecto, foram já identificados dois genes que explicam 35% da variação dos padrões de longevidade. E embora se tratem de genes que não existem nos humanos, uma vez que todos somos animais, a nossa base genética é comum, pelo que, a partir dos genes com função comum, será possível explicar a longevidade do ser humano.
A descodificação do genoma (sequência e montagem) são críticas para este avanço científico, uma vez que passa a ser possível identificar, de forma rápida, características em genes que explicam por que motivo ‘indivíduos’ da mesma espécie apresentam diferentes níveis de longevidade, resistência ao frio e tempo de desenvolvimento.
"It's the algorithms, stupid"
“Conseguimos algo muito difícil, que é a sequenciação do genoma”, explica Jorge Vieira. E apesar de esta sequenciação ter sido levada a cabo na Áustria, em máquinas de sequenciamento do “Institut für Populationsgenetik”, este é um trabalho com autoria totalmente lusa, pois a organização das sequências, isto é, a montagem propriamente dita do genoma, está a ser feita nos laboratórios do CRACS-INESC Porto LA em Portugal, pelo investigador Nuno Fonseca.
Na base deste processo de montagem, cuja primeira fase decorreu entre Maio e Outubro de 2010, estão algoritmos que sobrepõem as sequências que possuam semelhanças entre si para obter uma versão preliminar do genoma. As máquinas de sequenciamento austríacas geraram milhões de pequenos pedaços de DNA (de várias moscas), que foram posteriormente organizados pelos algoritmos de montagem de forma a obter uma sequência de DNA. Sem o recurso a estes algoritmos seria impossível montar um genoma, dada a complexidade deste problema.
Servindo-se da metáfora de um puzzle, Nuno Fonseca explica que “as peças podem encaixar de muitas formas e o desafio é encontrar a melhor forma de as montar, o que requer computadores poderosos, com elevada capacidade de processamento e enormes quantidades de memória. Ao contrário do que ocorre nos puzzles tradicionais, desconhece-se a imagem do puzzle depois de montado”. Por isso mesmo, o resultado final é sempre uma estimativa.
Ciências da Computação na base do progresso na Genética
“Sem as Ciências da Computação, o projecto de sequenciação do genoma do ser humano não teria chegado a um bom porto”, afirma o investigador do CRACS-INESC Porto LA. Esta é uma opinião partilhada por Jorge Vieira, do IBMC, que classifica a contribuição das Ciências da Computação para a Genética como “muito importante”, uma vez que grandes quantidades de dados estão a ser produzidas nos mais variados formatos digitais, como por exemplo, imagens de microscopia, genomas, sequências de DNA e proteínas, expressão de genes, interacções entre genes, ou mesmo a literatura científica.
“Felizmente”, explica o director do grupo de Evolução Molecular do IBMC, “a par desta explosão de dados há um correspondente aumento da capacidade de os processar computacionalmente”. Nuno Fonseca alerta, contudo, para que “os algoritmos de montagem de genomas não estão a acompanhar a 100% o desenvolvimento das tecnologias de sequenciação ”.
Ainda assim, Jorge Vieira considera que “ainda estamos numa fase muito exploratória”. Os próximos anos serão de consolidação e optimização do conhecimento que já existe: “determinar a sequência genómica de um animal ou de uma planta será algo trivial ainda antes de 2020”, afirma. Falta agora perceber o que é que todos estes dados significam do ponto de vista biológico, o que vai exigir o envolvimento de equipas de investigação mutidisciplinares, considera Jorge Vieira.
Progresso científico passa pela colaboração multidisciplinar
Foi o IBMC que desafiou o investigador do CRACS-INESC Porto LA a descodificar o genoma das duas estirpes da Drosophila americana, na sequência de uma colaboração bem sucedida de vários anos entre as duas instituições. O objectivo é, asseguram Nuno Fonseca e Jorge Vieira, dar continuidade a esta colaboração e torná-la, nas palavras de Jorge Viera, “ainda mais ambiciosa”.
É nesta partilha de conhecimento e de competências que assenta o futuro da investigação e o progresso científico, até porque os conhecimentos específicos em diferentes áreas que projectos de grande envergadura requerem “dificilmente se encontram num único Instituto de Investigação ou Laboratório Associado”. “Por muito forte que uma Instituição cientifica seja, nunca há-de abarcar todas as áreas” remata Jorge Vieira. Por isso mesmo, os resultados obtidos na primeira fase deste projecto já foram disponibilizados publicamente num site de livre acesso, para poderem ser utilizados por outros cientistas em estudos de evolução e de genética comparativa.
Esta opinião é partilhada por Fernando Silva, coordenador do CRACS-INESC Porto LA, que vê a investigação inter-disciplinar como “cada vez mais importante na inovação científica, e sê-lo-á tanto mais quanto percebermos que a complexidade inerente à resolução de problemas requer novas formas de análise, de aprendizagem e de pensamento”. As valências existentes no CRACS e INESC-Porto LA, tanto em algoritmos como no desenho de soluções escaláveis, são muito relevantes para aplicação em áreas multidisciplinares como a bioinformática. “Projectos como o aqui descrito são de encorajar e devemos procurar que se multipliquem” remata Fernando Silva.
Créditos Fotos:
Paulo Bico (capa); iStockphoto/mevans; Biogilde.wordpress.com; Flickr; IBMC; Campusgeek; Portal www.financialnavigationsolution.com; Ciência e Vida; Compilando Ideias.