Fora de Série
Este espaço destina-se a prestar homenagem a um colaborador que mensalmente se distinga com especial relevo na sua actividade. A escolha final é da responsabilidade da Redacção do BIP mas a colaboração das Coordenações de todas as Unidades é preciosa pois as sugestões e motivações são fundamentalmente da sua responsabilidade...
césar toscano
1. Estava a contar com esta distinção?
Não.
2. Como surgiu a sua ligação ao INESC Porto?
Surgiu no ano de 1985, durante o meu último ano na Faculdade de Engenharia. Mais ou menos a meio do ano, o Professor Borges Gouveia organizou uma sessão de apresentação para o curso de Engenharia Electrotécnica, na qual fez saber da intenção de ser criado muito brevemente no Porto um local para investigação. Tenho a ideia de termos ficado muito entusiasmados, embora não tenhamos percebido exactamente o que iria ou poderia ser criado na realidade. A criação de um ambiente propício à investigação externo à Universidade era uma ideia bastante estranha na altura, mas por outro lado atraente para um aluno a frequentar o último ano do curso e sem perspectivas concretas de início da vida profissional. Nesse mesmo ano, e findo o curso, acabei por entrar para o INESC como bolseiro pela mão do Professor Silva Matos, meu orientador do projecto de estágio na Faculdade.
3. Tendo integrado a instituição em 1985, que balanço faz deste primeiro quarto de século do INESC no Porto?
Acho que globalmente a instituição evoluiu de forma muito positiva, ajustando-se de forma dinâmica às possibilidades e restrições impostas pelas diversas fases de vida por que passou nestes 25 anos.
Nos primeiros anos, o INESC Norte, nome oficial da “agência” do INESC no Norte do país, foi essencialmente um ambiente de exploração das muitas coisas novas que começaram a aparecer no mercado. Foram exemplos disso o primeiro leitor de discos ópticos WORM (“Write Once Read Many”) em Portugal (com o consequente desenvolvimento do software de controlo), a experimentação de uma das primeiras máquinas de envio/recepção de faxes, a criação de um monitor de muito alta resolução para visualização de imagens digitais correspondentes a documentos administrativos (cuja resolução e detalhe só foi ultrapassado há poucos anos), o primeiro projecto de telecomunicações baseado em fibras ópticas, a primeira rede local de comunicações no Norte (Token Ring), entre outros.
Em paralelo com este ambiente muito rico de aquisição e exploração de novas tecnologias e saber, realço o grande esforço feito no sentido de tornarmos a nossa existência visível à sociedade e os muitos cursos de formação profissional que permitiram que a instituição financiasse um grande conjunto de projectos de investigação.
A partir de 1991/1993, e na minha perspectiva pessoal, a Instituição passou a enfrentar novos desafios, que de forma simplista identifico como segue. Nós, no INESC, já não éramos os únicos a lidar com as novas tecnologias em Portugal (nos vários de domínios de actividade do INESC), e, por outro lado, tínhamos crescido tanto (em actividade e em número) que enfrentávamos sérios problemas de sustentação (os dinheiros de Bruxelas para financiamento de cursos de formação profissional começaram a diminuir consideravelmente e, como tal, o apoio a muitos dos projectos/actividades no INESC).
Visto de longe, este momento na vida do INESC acabou por ser benéfico. A autoridade e as influências do INESC Lisboa começaram a ser postas em causa, culminando esta fase na criação do INESC Porto com a definição de uma estratégia mais actual e menos conflituosa com a sociedade (nomeadamente com o sector empresarial) e que muito nos honrou e satisfez na altura (deixámos de ser “aqueles tipos do Norte que faziam umas coisas engraçadas, mas não davam dinheiro …”).
Uma década (e alguns anos) depois, acho que ultrapassámos de forma muito satisfatória a anterior “dependência” (a muitos níveis) ao INESC Lisboa. Actualmente, sinto que a Instituição surge com uma boa imagem tanto no panorama nacional como internacional.
4. O que é que mais mudou, na sua opinião, nos últimos 25 anos?
Certamente que várias coisas. Vêm-me à cabeça as seguintes:
- Conhecimento do “interior da instituição”: se calhar não conhecemos 50% dos nossos colegas (pessoas, actividades desenvolvidas, competência, etc.). Posso assegurar que na primeira década do INESC conhecia grande parte dos colegas e sabia a quem recorrer em caso de problemas nesta ou naquela área de conhecimento.
- “Sentido de pertença”, espírito de equipa, “vestir a camisola”: estas diversas facetas, que não consigo exprimir de forma simples, diminuíram sensivelmente ao longo dos anos e concentraram-se nas unidades de investigação (as unidades podem ser vistas como ilhas no seio do INESC Porto).
- Competitividade e inovação: a concorrência de outros grupos (não somente de Universidades e institutos de I&D, mas também de empresas) aumentou de forma drástica (por exemplo, a nível de projectos comunitários de I&D) e, por outro lado, diminuiu a possibilidade de inovarmos facilmente com base em novas tecnologias: o que surge como novas tecnologias já não é entendido pelas pessoas como principal elemento para inovar.
- Autonomia, responsabilidade: a criação do INESC Porto, se por um lado aumentou a nossa autonomia, também aumentou o nosso conceito de responsabilidade na definição e execução das diversas actividades de I&D.
5. O César Toscano foi eleito colaborador “Fora de Série” de Outubro no âmbito do projecto Auto-gration. Pode dizer-nos a importância que este projecto assume no contexto da UESP e do INESC Porto em geral?
Este projecto tem como objectivo a criação de uma plataforma para promover a participação de pequenas e médias empresas nas redes digitais globais de fornecimento no sector automóvel (detalhes em http://www.auto-gration-eu). Trata-se de uma iniciativa promovida pela Comissão Europeia (não se trata de um projecto de investigação) e que conta com a participação das principais associações de empresas do sector.
A nossa participação no projecto surge como consequência do facto de termos competência e trabalho realizado no domínio da interligação digital entre empresas (eBusiness, EAI “Enterprise Application Integration”, redes de colaboração, …). Aquilo que torna este projecto de particular importância para a UESP (e para o INESC Porto em geral) encontra-se no próprio consórcio. Este não tem a organização usual de um projecto de investigação (já que o auto-gration não é um projecto de investigação), mas compõe-se de um conjunto de entidades que permitem alargar a nossa visibilidade e as nossas competências na Europa.
Refiro-me em primeiro lugar às associações que lideram o projecto e que representam as empresas de actuação no sector automóvel (tanto a montante, nas redes de fornecimento dos elementos para a produção de veículos automóveis, como a jusante, nas redes de fornecimento pós-mercado). Refiro-me, em segundo lugar, às várias empresas do sector TIC que a nível mundial prestam serviços de mediação (baseados em EDI “Electronic Data Interchange”) nas comunicações digitais entre as empresas do sector automóvel.
6. Quais a principais mais-valias que trabalhar no INESC Porto trouxe para a sua carreira? O que é que o motiva a continuar a trabalhar no INESC Porto?
Começando pelas menos óbvias (mas igualmente importantes), adquiri competências na gestão humana de relações (já que ao longo destes anos interagi com muitas e muito variadas pessoas), aumentei significativamente o meu conhecimento do mundo (nas muitas reuniões e viagens dos projectos europeus) e as minhas capacidades de escrita em língua inglesa.
Olhando para o lado mais profissional, destaco no essencial as seguintes mais-valias: aumento de conhecimento, do saber fazer e da experiência adquirida nos vários domínios de actividade em que o INESC Porto me permitiu participar.
Trabalhar em Investigação e Desenvolvimento (às vezes mais num sentido do que no outro), e independentemente de ser ou não no INESC Porto, não é nada fácil. São-nos exigidos, cada vez mais, parâmetros de inovação, de complexidade, de competitividade e de sofisticação, que não são fáceis de gerir e de concretizar. No entanto, acho que são precisamente estes desafios que me motivam a trabalhar no INESC Porto, aliados a outros dois muito importantes para mim:
- Possibilidade de conseguir (com grande sacrifício pessoal) produzir trabalho mais visível para as pessoas. O que quero dizer com isto? A possibilidade de poder produzir em software os conceitos pensados, discutidos e trabalhos previamente.
- Trabalho em equipa, poder contar com o apoio deste ou daquele colega, sem os quais me sentiria muito só e consequentemente desmotivado.
7. Qual o momento de que mais se orgulha de todo o seu percurso nesta “casa”?
São vários os momentos: determinado “Review Meeting” que acabou satisfatoriamente, determinada apresentação pública que acabou por correr melhor que previsto, determinado resultado que mereceu aplausos da entidade que o explorou, etc..
No entanto, realço dois momentos que foram muito importantes para mim:
- A minha ida para o CERN (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear) em 1988, no qual muito aprendi a muito níveis.
- A minha reentrada no INESC em 1995, depois de uma breve passagem pela vida empresarial.
8. O trabalho do César envolve um contacto muito próximo com o tecido industrial. Qual o valor acrescentado que o INESC Porto oferece às empresas com as quais trabalha?
No essencial:
- A possibilidade de realizarem investigação e desenvolvimento que de outro modo não o fariam (e mesmo assim, poucas o conseguem fazer).
- Trazer para as empresas conhecimento, resultados de I&D e tecnologias que elas desconhecem.
9. Quais são os seus sonhos para o INESC Porto nos próximos 25 anos?
Já desde há alguns anos que sinto dificuldades em dormir, pelo que se sonho… não me lembro.
10. Terminaremos este breve questionário, pedido que comente a seguinte citação da coordenação da sua unidade, a UESP.
Este mês propomos o César Toscano para o “Fora de Série” pelos resultados alcançados no projecto Auto-gration e pelo reconhecimento expresso pelos restantes parceiros do projecto. O César Toscano entrou para o INESC no Porto em 1985, tendo atingido resultados de assinalar em diversos projectos, como o X-CITTIC, BMAN, Cooperate, CEC-Made-Shoe, eBiz-tcf só para referir os mais recentes. Foi responsável por contributos inovadores que contribuíram de forma relevante para a imagem do INESC Porto e dos referidos projectos.
Mais uma vez, no âmbito do projecto Autog-ration (Assisting SMEs to participate in global digital supply chains in the automotive sector, www.auto-gration.eu, com início em Janeiro de 2010), o César Toscano conseguiu, no reduzido prazo de tempo disponível, desenhar e implementar um sistema inovador que responde às necessidades do projecto. Apesar de o INESC Porto não ter o papel e o orçamento mais importante no projecto, conseguiu assim assumir na prática um papel central no projecto com o reconhecimento de todos os parceiros. Só com a larga experiência, interesse e empenho do César foi possível cumprir estes ambiciosos objectivos.
Aqueles que me conhecem melhor sabem que sou pessoa de poucas palavras. Agradeço sinceramente este “prémio” que a Coordenação da Unidade gentilmente me concedeu, mas estendo este “Fora de Série” para a própria Coordenação da Unidade (que nos diversos projectos em que participei me apoiou e aconselhou) e para todos aqueles que ao longo dos anos comigo participaram nos projectos.
