Asneira Livre
Por José Ruela*
A aventura do INESC no Porto começou com a criação do então designado INESC Norte, no início de 1985.
No entanto, ainda em 1984, iniciou-se a preparação do projecto SIFO (Rede de Serviços Integrados por Fibra Óptica) por uma equipa inicialmente constituída pelo Manuel Barros, Artur Pimenta Alves, José António Salcedo, António Pereira Leite e eu próprio. Como parte desse processo visitámos em Janeiro e Fevereiro de 1985 várias universidades e centros de investigação nos Estados Unidos. Refiro esta visita para recordar que ouvimos então com surpresa aquilo que nos pareceu uma “heresia”, a transmissão de vídeo em redes de comutação de pacotes, o que nos deu uma medida do árduo caminho que teríamos de percorrer e dos desafios que teríamos de vencer. Tal não nos desanimou, pois se os objectivos do SIFO não eram (nem podiam ser) tão ambiciosos pelos padrões internacionais, o certo é que o eram na altura em termos nacionais. O SIFO foi uma verdadeira escola, não só para os jovens investigadores que integraram as várias equipas que então se constituíram, mas também para os que asseguravam as respectivas lideranças. Foi, por isso, a semente de vários grupos de investigação, que vieram a autonomizar-se no final do projecto e que mais tarde se integraram em várias Unidades, aquando da sua criação em 1996.
No final do SIFO, com a experiência e a confiança adquiridas, iniciámos a aventura dos projectos europeus, que igualmente abriram novas perspectivas e que criaram as condições para a celebração de contratos de investigação emblemáticos com a NEC e a BBC (ORBIT).
Particularmente relevante e frutuosa foi a parceria estabelecida com a BBC. Primeiro, no âmbito do projecto europeu ATLANTIC (Advanced Television at Low bit rates And Network Transmission via Integrated Communication systems) conseguimos “convencer” a BBC a apostar na adopção de tecnologias de informação e comunicação, abertas e de baixo custo, em estúdios de televisão digital (também uma “heresia” de acordo com os modelos e práticas em vigor, mas agora os novos “apóstolos” éramos nós). Afinal, uma década depois, conseguíamos concretizar, num ambiente extremamente exigente e complexo, a ideia da transmissão de vídeo em redes de comutação de pacotes, mas agora como parte de uma solução arquitectónica inovadora, de produção distribuída em rede. O ORBIT (Object Re-configurable Broadcast using IT) foi “apenas” o passo seguinte, que visava testar e avaliar em condições reais a solução e as tecnologias desenvolvidas no ATLANTIC.
Mas o processo não terminou aqui, pois os projectos na área da televisão digital constituíram a alavanca para a participação em novos projectos europeus e para a criação e o reforço de competências nas áreas de multimédia e redes, que actualmente constituem uma parte significativa das actividades de I&D da UTM.
Esta viagem pelo passado não pretende ser saudosista ou revivalista, mas antes salientar um percurso, nem sempre linear e isento de sobressaltos (quase imperceptíveis numa escala temporal de mais de 25 anos), mas que se foi fazendo de forma segura e com objectivos bem definidos, o que nos dá a garantia que o futuro será com certeza ainda melhor, porque somos hoje uma instituição mais madura e mais forte, e porque temos a referência de uma história e de um passado de que nos podemos orgulhar.
Acima de tudo quero prestar homenagem a todos os que contribuíram para esta trajectória de sucesso, mas gostaria de salientar o Artur Pimenta Alves, companheiro desde a primeira hora (when we were young, como se pode comprovar pela foto). E como tanta coisa mudou em quase 40 anos, desde os tempos em que leccionava a disciplina de Televisão (analógica, pois claro), e como contribuiu para essa mudança nos projectos que dinamizou e pela persistência e convicção com que o fez e continua a fazer.
Abandonando agora o tom mais solene, façamos jus ao título desta secção. Também eu, não tendo a pretensão de me comparar a Fermat, encontrei uma demonstração maravilhosa para o nosso sucesso, mas as margens (virtuais) do BIP são demasiado estreitas para a conter: Cuius rei demonstrationem mirabilem sane detexi. Hanc marginis exiguitas non caperet. Se a asneira é livre, a imaginação também o é – cabe a cada um escolher a sua demonstração. E com certeza desta vez não será preciso esperar 300 anos, porque afinal não se trata de uma conjectura (assim mesmo, em latim e em itálico, esperando ficar a salvo de um qualquer corrector ortográfico mais zeloso).
*Antigo coordenador da Unidade de Telecomunicações e Multimédia (UTM)
NOTA: Neste artigo não foi usado o Acordo Ortográfico em vigor no BIP desde 2011 de forma a não se perder o sentido pretendido pelo autor.