A Vós a Razão
Personagens para ti, personagens para mim, cenários para todos e por todo o lado... Magia
Por Leonel Morgado*
Imaginemos... que estamos numa sala branca, vazia, árida... mas espaçosa. Num instante, pode transfigurar-se num espaço empresarial, com balcões de funcionários e clientes apressados ao nosso redor. No instante seguinte, estamos na base flutuante de um aerogerador em alto mar, rodeados por colegas de engenharia e oceanografia, a estudar um problema de conceção ou manutenção. Noutro, estamos num cenário de urgência médica onde profissionais de saúde colaboram.
É um cenário quase trivial, de combinação do que já existe. Encontramos com facilidade imensos simuladores. Já vivenciámos ou vimos demonstrações de realidade aumentada. Mesmo para colaborarmos e interagirmos, os mundos virtuais mostraram-nos que isso é possível.
Imaginemos... que um problema, uma dúvida, surge numa destas simulações, ao ser usada por formadores e formandos, professores e alunos. Que queríamos reproduzi-la mas tarde, analisá-la; que gostaríamos de o fazer não apenas naquele simulador, mas disponibilizá-la para qualquer conjunto de pessoas: ter, noutra plataforma de simulação, aquele problema, aquela situação... Uma descoordenação que – se fosse a sério – teria originado lesões ou prejuízos materiais; uma atitude que poderia originar desconforto em clientes ou colegas; enfim, o inesperado, o irrefletido... o mundo a acontecer, a vida a desenrolar-se.
Imaginemos... que podíamos participar nessa situação, nesse problema. Assumir o papel de um dos intervenientes – ou de vários. Que podíamos registar a nossa abordagem, vê-la mais tarde, ou alterá-la, melhorá-la, em conjunto com outros colegas de profissão, com formadores ou formandos.
Desde que comecei a trabalhar em mundos virtuais para educação no final do século XX – com crianças de três a cinco anos em jardins de infância – que desejo derrubar o mais que possa as barreiras de interação pessoa-computador para que todos possamos não apenas criar cenários, mas situações plenas de contexto, situações onde conceitos abstratos ou teóricos possam emergir em concretizações humanas plenas de significado. E não apenas como a gema facetada final de um processo moroso e dispendioso de desenvolvimento, mas com a liberdade com que combinamos e partilhamos hoje componentes Web ou mesmo 3D e qualquer pessoa gera imagens, vídeos, produtos inteiros de informação, formação, cooperação... colaborando com pessoas próximas e distantes, semelhantes e diferentes. Desejo trazer esta liberdade à combinação de comportamentos e situações – à programação, à especificação de semântica multiutilizador... pelos utilizadores finais.
A equipa que integro na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro tem vindo a desenvolver facetas diversas deste desiderato. E agora no nosso novo enquadramento no INESC TEC, na USIG, constatámos uma complementaridade com os trabalhos já em curso, que exploram a semântica sobre o conteúdo dos cenários. Cenário inteligentes conjugados com personagens inteligentes, partindo grilhões entre implementação, dados, controlo... poderemos chegar ao dia em que dizemos: “toma lá um problema que encontrámos e resolvemos ao simular aquilo: experimenta ou chama-me a participar, vamos treinar isto melhor”? Poderemos chegar ao dia em que pensamos “vou fazer um gesto e mostrar a acontecer à nossa frente – neste sistema – aquele comportamento que registámos no outro dia – no outro sistema”? Parece magia. Mas ao fim e ao cabo, já o dizia Arthur C. Clarke: “Any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic.”
* Investigador da Unidade de Sistemas de Informação e de Computação Gráfica (USIG) e Professor Auxiliar com Agregação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (campus de Vila Real).