MOEDA, SÓ COM DUAS FACES
A falta de diálogo é que faz de nós surdos funcionais.
É como pôr palas de pirata nos olhos: não vemos. Que interessa o orgulho rural de termos globos oculares sem mácula? Não vemos.
O sistema académico tem, como as demais coisas da vida, virtudes e defeitos. Na virtude, conta-se a liberdade de falar, como em nenhum outro. Mas no defeito está o défice de escutar. Escutar e falar são as duas faces da mesma moeda, e a moeda só tem valor quando está inteira, íntegra, indivisa. Escuta e fala? Tem valor. Não escuta? Não vale nada.
Com o novo processo de avaliação da Unidades de I&D, a FCT introduziu dois fatores de interessante indução de comportamentos, e não têm sido relevados. Vamos, pois, ensaiar o seu dissecar.
Em primeiro lugar, a exigência da assinatura de acordos entre as Unidades de I&D e as Escolas: é uma medida de higiene básica. Se Mariano Gago rompeu com a estrutura arcaica e deu vida à independência de existência daquelas Unidades, hoje quem pode criticar? O resultado está à vista, um progresso inacreditável da ciência portuguesa. Era preciso dar-lhes espaço para respirar, e foi dado. Mas a eficiência do sistema e a construção de mais valioso ganha-ganha exige que as duas faces do sistema se acertem e sejam uma só moeda. Só falando – e a medida obrigou a que falassem.
Outras duas faces de moeda do mesmo mealheiro exigiam adesão. Qual o sentido de a FCT (o país) investir milhões no financiamento de uma estrutura de investigação com base nas Unidades de I&D e, depois, não lhes permitir palavra na escolha da mão de obra indispensável à existência delas mesmo, que são os estudantes de doutoramento? Os programas doutorais, em muitos casos (não todos, é certo, mas vejamos o cenário mais representativo) existiram com vida própria, e não como peça articulada de uma estratégia global. Em muitos casos, como lógica própria, e não como instrumento de uma política de ciência e Tecnologia das Escolas que os abrigaram, articulada formalmente com as Unidades de I&D.
Mais uma vez, duas perspetivas do sistema em que havia défice de diálogo. Ora a colocação de pacotes de bolsas nas Unidades de I&D, com obrigação de indicar os Programas Doutorais onde serão aplicados, cria obrigações de conversar - de convergir, de construir, de forma organizada e explícita, o quadro do ganha-ganha. As teses de doutoramento e a investigação nas Unidades e I&D são duas faces da mesma moeda. Mas, do ponto de vista de gestão, eram faces de moeda soltas, a pedir a contraparte. Pois, agora, se não falarem, vão ter problemas – por isso, o incentivo é, mais uma vez, certeiro.
Cada Coordenação de Programa Doutoral sabe agora o que deve fazer para dar estabilidade ao afluxo de alunos ao seu ciclo de estudos – falar com as Unidades de I&D. E escutar. E vice versa.
Fala e escuta? A moeda terá valor. Não fala? Não vale nada.