A FRACASSOMANIA
Disse Millôr Fernandes, o saudoso humorista, que o Brasil é condenado à esperança. Tudo sempre quase dando certo, tudo quase sempre morrendo na praia. Admirável, é o espírito do seu povo: não se importa do padecer de Sísifo, pois recomeça com alegria. Vai levando.
É nele que o economista Albert Otto Hirschman destila o conceito de fracassomania: toda vez que muda um governo os intelectuais brasileiros consideram que está tudo errado e é preciso começar tudo de novo.
Erro, viés, cegueira seletiva? A mesma enfermidade a encontraremos noutras geografias – mais do que a vontade de aprender com erros passados, sobrevém a vontade de fazer vencer um ponto de vista original. A fracassomania também se explica pelo princípio do finalmente eu, do jeito que quero.
Há certamente nisto uma tendência humana, de essência genética, quem sabe – ou não se explica bem como as pessoas ficam satisfeitas e aceitam, como lógica, a consequência do fazer tábua rasa. Há talvez uma libertação do sufoco, uma ânsia de respirar um outro ar. Mas nós somos mais do que instintos, não poderíamos usar um pouquinho de razão a temperar?
Desejando ventura ao Brasil, também nós aqui na casa portuguesa estamos confrontados com momentos de crise e de mudança. Em política de ciência, mudando o que é preciso mudar, o que é imperioso mudar, será que vamos poder incorporar, nas decisões do futuro, aprendizagens do passado?
Ou cairemos também agora, inexoravelmente contaminados pelos comportamentos automáticos, na armadilha da fracassomania, a zerar tudo de novo?
Não há virtude em vícios alheios, ou nos nossos antigos.
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