O PERIGOSO PASSO ATRÁS
Quando se fala e merecidamente do enorme, quase incrível progresso de Portugal em ciência e tecnologia nas últimas duas décadas, esquece-se muitas vezes a justa referência à revolução que o permitiu.
Essa revolução não se materializou por adição de dinheiro ou de cientistas: foi resultado da completa reestruturação do setor em função da emergência do modelo das instituições sem fins lucrativos.
À rigidez litosférica da organização universitária, a sociedade portuguesa respondeu com inusitado vigor. Criou-se assim, em paralelo, um sistema alternativo de gestão de ciência e tecnologia. Em competição com a vetusta ortodoxia, o novo sistema provou ser mais ágil, mais produtivo e melhor utilizador dos fundos públicos – e mais transparente.
Esta relativa originalidade do Sistemas de Ciência e Tecnologia Nacional, que nos distingue de muitos outros (e nos aproxima de alguns) deve o mérito ao reconhecimento do papel das organizações.
Ou seja: o voluntarismo individual e do interesse próprio de cientistas, ainda que de valor, sempre andou de mão dada com uma propensão para uma pulverização fragmentadora e para uma falta de estratégia coletiva – para não falar do inevitável alinhamento dos oportunismos.
Em contraponto, foram as grandes organizações, nomeadamente as instituições sem fins lucrativos, que ordenaram a atividade, colocaram estratégia, ganharam economias de escala, puderam impor modelos de avaliação de desempenho e, finalmente, proporcionaram fenómenos sem precedentes de transferência de tecnologia para o tecido social e industrial. A expansão de exportações de natureza tecnológica de Portugal não é alheia a este fenómeno.
Quando se fala, e bem, em apostar no mérito e excelência dos cientistas, importa, num equilíbrio tão necessário à política pública, que sejam igualmente dados sinais fortes de apoio às organizações e de garantia de sustentabilidade às instituições. Nos últimos 12 anos, sempre as instituições puderam planear-se num quadro plurianual. Esta estabilidade foi o esteio do progresso havido.
É preocupante que, passado já um terço de 2012, ainda não haja uma ideia conhecida de como poderão as instituições sobreviver em 2013 e que apenas se escutem apelos ao financiamento individual. Se apenas isto sobrar na crise, estará anunciada a desestruturação da ciência em Portugal.