O carro falível e a estrada sinuosa
Na dinâmica dos grupos, das organizações, dos Estados, o papel das lideranças está reconhecido, de há milénios, como crucial.
De Sun Tzu a Clausewitz, a importância dos entendimentos e visão do general são a coluna vertebral dos ensinamentos marciais. E Maquiavel elabora com detalhe quais as alternativas de atitude do governante político.
Se o discurso para o líder militar toma como pressuposto o objetivo de ganhar a guerra, já na ação política fica claro que, para o florentino, a perceção (ou a escolha) da visão a assumir condiciona as decisões – quem deseja sucesso permanente tem de ir mudando a sua conduta com o tempo.
Dois estilos de liderança sobressaem: a que privilegia a dinâmica e a que privilegia a estrutura – melhor designação do que transformadores e situacionistas. Uma boa alegoria poderia ser a do automóvel que nos transporta: o mecânico olha para a máquina, o motorista para a estrada.
As organizações estagnam e estiolam quando os mecânicos tomam o volante. As organizações rompem-se quando os motoristas negligenciam o lubrificar das engrenagens.
Estes grupos temem-se: na obsessão pelo perfecionismo, o êxtase da beleza do “funcionar” é visto como posto em perigo pelas ações insensatas dos da dinâmica; na vertigem do avanço, o êxtase da conquista é visto como frustrado pelas exigências-travão dos da estrutura.
Na direção de uma agremiação, instituto de investigação, universidade, governo, país, convém que nos interroguemos: como estamos, que forças dominam, que máquina temos, para onde vamos. Na verdade, há duas soluções possíveis, quando um grupo não esmaga outro: por oposição e por combinação.
Um dos equilíbrios é paralisante: ninguém tem força para impor o seu rumo, mas sobram-lhe meios e receios para impedir o predomínio alheio. Este equilíbrio usa o apelo ao bom senso como travão.
O outro equilíbrio é criativo: os da estrutura aproveitam as energias transformadoras para melhorar a máquina, os da dinâmica aproveitam a máquina mais eficiente para melhor avançar na estrada. Este equilíbrio usa o bom senso como otimizador.
Das quatro combinações – situação apenas, conquista apenas, equilíbrio estiolante, equilíbrio transformante - apenas uma é virtuosa. Afortunada organização, país, que consegue esta sinergia nas suas lideranças.
Governar é fazer acreditar, escreveu Maquiavel. É um caveat: não bastam modelos, é preciso ter felicidade na escolha dos protagonistas e compreensão no entendimento dos governados. Muito se fala na trágica desfortuna de não ter os líderes certos na ocasião histórica e na imensa fortuna de os ter, e nós coletivamente sabemos disso, de Afonso Henriques a Nuno Álvares Pereira, do Infante a D. João II e a Albuquerque, do Marquês de Pombal a D. João VI – e, já agora, no 25 de abril, visto que o calendário de tal nos avisa com periódica e bela teimosia.
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