A ROLETA RUSSA
Estratégia sem tática é o caminho mais longo para a vitória. Tática sem estratégia é o ruído que antecede a derrota.
A antiquíssima sabedoria de Sun Tzu não deveria ser desaproveitada. Num momento em que há que decidir como formatar a organização da investigação, em face do processo de (re)registo das Unidades de I&D, a primeira consideração a ter deverá ser a estratégia que enforma a ação.
O processo está cheio de incertezas, a começar pela ausência de informação quanto às consequências das decisões alternativas, ou seja, quanto ao que representa em cenários hipotéticos um apregoado “financiamento estratégico”, por contraponto a um financiamento base já anunciadamente exíguo – e, como a questão central é a sobrevivência, mais que um certo aroma a casino no ar, há uma impressão de roleta russa.
As opções que se colocam aos grandes institutos, que abrigam numerosos grupos, são claras: optar por registar uma única Unidade de grande dimensão ou decidir pelo registo independente de várias Unidades.
Há uma vantagem óbvia no registo de múltiplas Unidades: permitirá, com muito mais probabilidade, o exercício de uma avaliação ajustada e honesta de cada Unidade, por ser possível afeiçoar o perfil de um futuro júri às caraterísticas próprias de cada uma. E isto não é de menor importância, porque muito dificilmente ocorrerá uma avaliação adaptada à diversidade de áreas numa Unidade com vários grupos de área científica distinta – e toda a avaliação terá consequências financeiras, ninguém contesta isso.
Mas há uma desvantagem também evidente: a FCT não publicitou ou previu, nos regulamentos que se conhecem, nenhuma forma fácil ou viável de enquadrar estrategicamente associações de Unidades. Como explicar uma estratégia comum se a avaliação for executada por, digamos, seis ou oito painéis independentes e que não comunicarão entre si nem, previsivelmente, entenderão que devem comunicar com a gestão comum dessa associação? E como gerir recursos que estrategicamente deveriam ser comuns, se o modelo de financiamento impossibilitar uma partilha?
Custaria a entender que a política nacional de ciência e tecnologia não visse com bons olhos a geração de massas críticas ou a concertação estratégica de Unidades. Por certo, falta-nos ainda conhecer algumas peças e desenvolvimentos dessa política.
Mas, porque falta conhecer essa vertente, porque falta conhecer parte da equação que regerá o financiamento das Unidades, estão os investigadores que vivem agrupados em grandes Unidades ou instituições sob a sensação de jogarem à roleta russa – há duas escolhas a fazer e numa pode estar a aposta certa e noutra a bala implacável. Nunca a incerteza foi boa conselheira ou gerou confiança e não foi agora que a história ficou desmentida. Em tempo de crise, o que menos precisávamos era de mais fatores de desassossego.
Nós, que construímos, com uma devoção de portugueses que não desistem do seu país, um exemplo de gestão de ciência e tecnologia que noutras pátrias é invejado e tomado por modelo, acreditamos que é preciso evitar, a todo o custo, que seja induzida a fragmentação de instituições que levaram décadas a construir.
Não é preciso conservar o que está, tal como está: isso seria advogar o imobilismo. O próprio e simples “re-branding” é já motor de uma indução de evolução e mudança. Mas é preciso encontrar a forma de não perder o que de positivo foi adquirido: a capacidade de gerar estratégias supergrupos. Ora isso, como noutros comportamentos na vida, só se cuida com estímulo.
E não é sem sentido, pensamos, esperar que a FCT possa ainda, em tempo, dar-se conta desta questão crítica.
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