A Vós a Razão
INESC TEC, Indústria e Globalização
Fui membro da primeira equipa dirigente do INESC no Porto tendo recentemente regressado de forma inesperada à Direção do INESC TEC, onde fui incumbido de preparar e coordenar o programa de comemorações dos 30 anos. Este procura, de forma antes não tentada, atingir os diversos públicos que nos interessa atingir: os inesquianos atuais e antigos, os investigadores internos e externos, as empresas e o público em geral. Se analisarem o programa de eventos que consta doutros artigos deste BIP poderão encontrar as diversas iniciativas.
Nestes trintas anos muito mudou, nas empresas e nas universidades, por isso encerramos com um evento dedicado a uma reflexão sobre o papel que devem ter as instituições interface, projetando a nossa experiência no futuro.
Mas porque muitos dos que leem o BIP não conhecem a história nacional neste domínio decidi aproveitar a oportunidade para contribuir com mais alguns elementos a acrescentar a diversos outros que tem sido divulgados. Da evolução da investigação muito se falou a propósito do falecimento do Prof. Mariano Gago, grande transformador do sistema em Portugal. Vou por isso focar a atenção do lado da indústria, relatando o sucedido na própria origem do INESC no Porto.
No início da década de 80 existia um número considerável de doutorados regressados de universidades americanas e inglesas que não encontravam nas universidades portuguesas condições para continuarem a sua atividade. A ideia de criar o INESC em Lisboa tinha nascido cinco anos antes por iniciativa de professores do IST – destaco aqui José Tribolet e João Lourenço Fernandes - que desafiaram as empresas de telecomunicações para a criação do INESC, como uma associação em partes iguais entre as operadores e as universidades, em que as operadoras identificavam problemas seus e contribuíam com financiamento para se encontrarem soluções e as universidades forneciam recursos humanos. Este formato inicial, a que se chamou instituto de interface, teve sucesso assinalável e, criou um sistema que hoje ainda existe embora com diversas alterações face a ao modelo inicial e centrado em Lisboa.
Isto foi possível porque as operadoras na altura - CTT, TLP e Marconi – eram empresas públicas monopolistas e responsáveis pelo serviço público de Correios e Telecomunicações, eram poderosas, não distribuíam lucros aos acionistas e tinham, em contrapartida, o dever de apoiar a investigação e as indústrias nacionais de telecomunicações, a quem compravam o equipamento necessário ao desenvolvimento da rede, pois na altura vivíamos em mercado fechado.
No Porto sentíamos obviamente os mesmos problemas e não hesitamos quando, durante 1984, surgiu o convite de estender o conceito ao Porto. Depois de um período de negociações com os operadores, mediadas pelo secretário de Estado das Comunicações, Dr. Raul Junqueiro, foi decidido aproveitar o facto de existirem entre os doutorados recém chegados à Universidade do Porto diversos especialistas em sistemas por fibra ótica que estavam na altura a atingir a maturidade a nível internacional. Assim foram cedidas instalações pelos TLP e aprovado um financiamento de um projeto que consistia na desenvolvimento de um protótipo de uma rede de serviços integrados digital e em fibra ótica – Projeto SIFO. Na altura digital estava a começar e o conceito de numa rede única ser possível enviar áudio, vídeo, dados e telefone era altamente inovador, sendo que a Televisão ainda não era possível abaixo de 140Mbit/s. A intenção dos operadores era que esses protótipos fossem posteriormente transferidos para a industria nacional que os fabricaria. Na época dizia-se que com o avultado nível de financiamento, 250 mil contos para quatro anos, tínhamos a responsabilidade de transformar a indústria. Ilusão de quem pensa pequeno! Nessa altura fomos convidados a visitar o Centro de I&D da Siemens e lá verificamos que a Siemens, nessa época gastava em I&D 250 mil contos por dia útil... Pela primeira vez pude perceber a grande diferença entre a indústria nacional e a globalizada.
Desde essa altura o paradigma mudou completamente. A liberalização das telecomunicações acabou com os operadores monopolistas, a abertura do mercado deixou de permitir que estas comprassem equipamentos e serviços apenas às empresas nacionais, o que alterou completamente o modo de funcionamento do I&D em Portugal, nas telecomunicações.
Mas isso aconteceu em todos os setores e no INESC no Porto soubemos desde muito cedo procurar as oportunidades que se abriam. De facto, as indústrias tradicionais portuguesas, face à ameaça internacional, tiveram que procurar novos nichos para os quais precisaram de novas tecnologias que podíamos ajudar a desenvolver.
Podemos dizer em conclusão que devido à generosa postura das operadoras de telecomunicações que, apesar de terem financiado instalações e laboratórios, não nos obrigaram a fechar a nossa atividade nas suas áreas e nos deixaram usar os laboratórios para desenvolver projetos noutras áreas desde que encontrássemos o necessário financiamento. É hoje claro que se tratou de uma decisão com vistas largas que permitiu tivéssemos chegado onde estamos hoje.
Aproveitem os eventos das comemorações para conhecerem o que fizemos em todos os setores!