Galeria do Insólito
Meio-dia de horas trocadas
Para qualquer outra pessoa, a única cascata que se espera ao meio-dia seria uma cascata de comida, de pessoas a correr para almoçar, ou até mesmo de champanhe, não seja caso de calhar ao meio-dia uma qualquer cerimónia matrimonial ou algo que a isso se assemelhe. Para Luís Seca, a única cascata do meio-dia só se for de ratos, ou neste caso, de ratoeiras.
Numa viagem à terra desconhecida, chamada Bruxelas, este português inesquiano, cansado da longa viagem procurava apenas uma simples cama onde dormir. Caso para dizer: tem cuidado com o que desejas! É fácil encontrar um pouco de compaixão para com o nosso personagem. Afinal, quem não se contentaria com um modesto colchão após longas e atribuladas ruminações pelo meio do trânsito de uma Bruxelas inquieta e pronta para arreliar o mais sereno dos santos? Mas chamar "modesto" ao que o nosso herói foi encontrar, seria como ver um rato apelidando de ternurenta à ratoeira que acabou de o trilhar.
Chegado ao Hotel Cascade Midi (Cascata do Meio-dia, embora seja para passar a noite), Luís Seca, aliviado por finalmente encontrar um quarto onde dormir, é imediatamente apresentado à simpatia belga. Podemos apenas imaginar o diálogo:
- A reserva foi cancelada e não temos quartos disponíveis.
- Mas eu tenho aqui o papel!
- Qual papel?
- O papel.
- Mas qual papel?
- O papel.
De papel em papel, sem chegarem a nenhum acordo, apenas lhes restou tomarem uma decisão, em nome da diplomacia entre concidadãos europeus na pseudo-capital da UE: concordar em discordar. Sem eira nem beira, sem colchão onde se deitar, valeu a Luís Seca um bom samaritano que por ali passava e que, pela módica quantia de 200 Euros, lhe alugaria uma cobertura que, convenientemente, estaria livre naquela noite.
Eis a toca: uma delirante suite, usada em milésima mão, com acabamentos de sujidade - mesmo à retro simplista - e decorada com ratoeiras, cobertas do melhor queijo que se podia encontrar fora da validade. Uma verdadeira pechincha! Vejam, angustiados leitores, a prova fotográfica do exotismo hoteleiro.
Mas como qualquer conto de “fados” (não fosse este um triste destino digno de ser imortalizado em música), também aqui podemos descrever um final feliz. De manhã, em vez do inflexível valão, encontrava-se na receção do Hotel uma doce e espantosa donzela, pronta para salvar o nosso príncipe... o qual, mal-adormecido mas bem agradecido ao destino, chega a acordo, recupera os seus 200 euros e só pensa em viver feliz para sempre com a ratazana ou, pelo menos, estender-lhe uma ratoeira...
Créditos Imagem (topo): Gisele Teixeira