CONTRA A INVEJA MORALISTA
Nas encruzilhadas da crise, duas visões conflituam. Há quem privilegie o corte na despesa e quem reclame a aposta no incremento de receita. Todos reconhecem que a primeira estratégia produz efeitos de curto prazo e a segunda é jogada de maior risco.
Interessa analisar alguns efeitos colaterais que nem sempre são discutidos.
A aposta em incremento de angariação de maiores proveitos próprios exige uma coerência de pensamento que nem sempre é explorada em toda a extensão. Falemos claro: esta opção implica a concretização de um sistema de incentivos, não apenas organizacionais mas diretamente às pessoas, aos agentes, para que se empenhem na luta por um lugar no trem das oportunidades. Se as Universidades precisam, se pretendem aumentar os recursos próprios, têm que dar razões aos seus recursos humanos para que se desviem da rotina decantada e se superem para buscar novos projetos, gerando ingressos financeiros adicionais.
Esta opção de gestão tem dificuldades e enfrenta obstáculos. Um deles, cujo efeito não deve ser menosprezado, é o excitar de pulsões moralistas, que vêm de mão dada com genéticas conservadoras. Falemos de forma direta: trata-se da resistência daqueles que acham imoral (e por vezes agitam o fantasma do ilegal) que um investigador possa receber complementos salariais seja a que título for. Não importa que a lei portuguesa seja clara e o consinta expressamente: são contra, ideologicamente - acham que as pessoas devem sofrer sacrifícios sem recompensa pessoal porque “deveria ser assim”. O resultado do triunfo desta posição é o marasmo e mesmo a contração, pois quem trabalha para aquecer? As pessoas desviam-se então para outras atividades e os investigadores dedicam-se a escrever artigos e contribuir para um mero paper counting, económica e socialmente irrelevante.
Esta posição assume vulto acrescido em tempos de crise, pois se ampara e recebe subsídio do princípio da inveja, o qual como sabemos é menos atuante quando todos andam de barriga cheia.
Mas a percepção deste fator – que o recurso humano precisa de ser incentivado se queremos retirar resultados sistémicos positivos – é componente vital de uma política de Ciência e Tecnologia que responde aos ventos dos tempos modernos.
Felizmente, a anunciada política da Comissão Europeia, de legitimar a nível da União o reconhecimento dos estímulos financeiros aos investigadores, vem dar força a nós todos que temos de resistir ao permanente desgaste dos que não fazem e não querem deixar fazer.
Em tempo de crise, as Universidades agradecerão que cada um de nós dê a sua contribuição para o ganha-ganha.
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