ACAUTELAR DESINCENTIVOS
Em amena cavaqueira, muitos concordam que as variações bruscas provocam tais oscilações transitórias nos sistemas que a sua estabilidade fica em perigo, ou em causa - como se fosse enunciado um princípio básico de bom senso. Mas muda-se de assunto e logo as mesmas pessoas regressam à defesa de soluções de remédio radical que resolvem os problema todos de uma penada.
A engenharia ensina o contrário. Uma das lições mais visitadas e socialmente menos aprendidas é que o gradualismo, as variações incrementais, permitem manter um regime quase-estacionário, que é possível de prever na sua evolução e controlar nos seus efeitos. Roturas virtuosas, só as que não rasgam, diria talvez o célebre João Pinto.
Uma injeção excessivamente massiva e em prazo curto de dinheiro no sistema científico e tecnológico nacional tem potencial para desequilibrar o sistema, ainda que se aleguem carências recentes. Desde os anos do Fundo Social Europeu, aprendemos (será?) a equação básica de que dinheiro a mais é dinheiro mal gasto. As organizações não estão preparadas, os planos não estão elaborados, os agentes não estão organizados – e a fome não é compatível com a degustação.
Uma injeção excessivamente massiva e brusca de fundos, definida apenas em função de alvos científicos, tem o poder de distorcer comportamentos – essa fonte de capital, sendo refrigério para as bocas sequiosas dos investigadores lusos, se lhe for dado sentido único, vai enviesar a atividade para longe do que também é necessário: a transferência de tecnologia, a valorização do conhecimento. Qual o incentivo para os agentes científicos se dedicarem ao laborioso esforço de interação com as empresas, se lhes fica tão mais fácil trabalharem apenas nos segmentos de montante, apenas nas etapas mais básicas do desenvolvimento científico?
Face a uma hiperabundância de capital, não haverá recursos humanos suficientes em Portugal, cientificamente qualificados, para o aplicar ocupando toda a cadeia de geração de conhecimento a produção de valor – nem há mercado tão significativo que compre tecnologia de forma intensa e volumosa. Então, onde é que “naturalmente” se vão acolher os académicos? Na ciência mais doméstica, em que apenas têm que produzir resultados científicos, ou no desenvolvimento e transferência, que incorre em riscos de natureza menos académica e implica muito maior esforço de adaptação à alheia cultura empresarial? Diríamos: na sua zona de conforto…
Dentro de uma política que se saúda, de providenciar dignidade por via de financiamento sem misérias aos agentes do sistema científico e tecnológico, eis o perigo que se intui dever ser acautelado, pelos governantes e pelos governados.