INESC Porto contribui para avanço da indústria automóvel europeia
Projecto AC-DC chega ao fim com resultados “extremamente encorajadores”
O INESC Porto integra um consórcio europeu que desenvolveu métodos para permitir a produção de um carro personalizado em apenas cinco dias, um processo que actualmente requer semanas ou meses. Com início em 2006 pela mão da Unidade de Engenharia de Sistemas de Produção (UESP), o projecto AC/DC – Desenvolvimento de Chassis Automóveis para 5-Days Cars fica concluído em Setembro e destaca-se pela ambição de melhorar a capacidade industrial e de reduzir stocks, colocando os requisitos dos clientes em primeiro plano. O BIP falou com Jorge Pinho de Sousa, coordenador da UESP e líder da equipa do INESC Porto neste consórcio, que fez um balanço de um projecto que contribuirá significativamente para revolucionar a indústria automóvel europeia.
Um carro personalizado em apenas cinco dias
O INESC Porto faz parte de um consórcio europeu criado para desenvolver métodos que permitam a produção de um carro personalizado em apenas cinco dias. Liderado pela Continental Teves AG (Alemanha), e com a participação de grandes empresas da indústria automóvel como a BMW, Volkswagen, Siemens, ZF, todas da Alemanha, o projecto conta ainda com parceiros científicos ou instituições de consultoria como a CARTIF (Espanha), ERPC, Fraunhofer Gesellschaft, Universidade de Paderborn, VDIVDE-IT e ATB, da Alemanha, MTA SZTAKI (Hungria), Mandator (Suécia), UNIMORE (Itália), para além do INESC Porto. No âmbito do AC-DC foi possível desenvolver um conjunto de conceitos e métodos que permitem melhorar o processo de produção automóvel.
De acordo com Jorge Pinho de Sousa, este projecto surgiu “como resultado dos crescentes desafios a que a indústria automóvel tem vindo a fazer face, em ambientes cada vez mais dinâmicos, com maiores níveis de incerteza e de competitividade”. O conceito é simples: construir um carro personalizado em apenas cinco dias, diminuindo assim drasticamente o prazo entre a encomenda e a entrega do automóvel ao cliente, um processo que actualmente requer semanas ou meses.
“O princípio geral é o da produção tender para um modelo do tipo ‘Customize-to-Order’ e de personalização tardia” revela o coordenador da UESP, sendo que a maior inovação está nos 100% de garantia de entrega e na resposta em tempo útil às diversas solicitações dos clientes. Para atingir este objectivo, seguiram-se duas direcções: “uma na área do desenvolvimento de produtos e componentes, mais facilmente personalizáveis, e outra na área do planeamento colaborativo das redes de fornecimento e no controlo e monitorização da produção”, explica o docente universitário.
Melhorar a capacidade industrial e reduzir stocks
“Para conseguir um carro com um elevado nível de personalização, o tradicional é o cliente ter de esperar meses. Tratando-se de automóveis de gama média e alta, o cliente não está, tipicamente, disposto a esperar tanto tempo”, explica Jorge Pinho de Sousa. Isto acontece porque, actualmente, a indústria automóvel baseia-se na produção para stock. Então, a “filosofia geral do projecto é garantir que esta espera não aconteça e, através de ganhos significativos de eficiência e de uma maior flexibilidade, garantir a entrega dos automóveis em prazos muito reduzidos”, acrescenta ainda.
Com a possibilidade de construir um carro personalizado em apenas cinco dias, o AC-DC permite à cadeia de fornecimento automóvel passar de uma produção hierárquica tradicional, para um processo de certa forma concorrente baseado em conhecimento, capaz de aumentar a capacidade industrial, reduzir stocks, e que permite uma configuração rápida de novos e mais variados produtos de qualidade e a baixo custo. A indústria automóvel europeia fica assim na frente da competição com as indústrias asiáticas ou norte-americanas.
O INESC Porto participou activamente em várias tarefas da componente de planeamento e gestão, com contribuições significativas no desenvolvimento do conceito de ’dynamic supply loops’ que “têm lugar na cadeia de fornecimento aos seus diferentes níveis, e a partir dos quais se definem os procedimentos a desencadear” no sentido de se tornar “mais rápida a resposta a acontecimentos imprevistos ou a permitir a incorporação das especificidades de cada automóvel”, explica o investigador. Outra contribuição fundamental “passou pela concepção e implementação de um serviço inovador de ‘messaging’, que promove a colaboração entre os actores da cadeia, no planeamento e controlo das operações e, com base neste serviço, “foram também desenvolvidas algumas ferramentas de gestão colaborativa”, adianta o professor.
Um novo fôlego para a indústria automóvel europeia
Concebido para garantir uma componente importante de investigação e também para envolver fortemente as empresas industriais do consórcio, o projecto estudou “alguns dos seus problemas concretos de maior relevância”, que foram essenciais para definir o “âmbito e objectivos do projecto”, o que constituiu um desafio e “oportunidade para as empresas validarem os seus resultados e melhorarem produtos, processos e procedimentos”, esclarece. Assim, em empresas como a ZF Friedrichshafen AG foram alterados produtos, neste caso, os sistemas de eixos de tracção dos automóveis, com ganhos significativos nos custos de desenho e produção, recorrendo, por exemplo, à simulação do seu comportamento, ou, no caso da Continental, com alterações profundas nos sistemas de planeamento colaborativo e de monitorização dos processos ao longo de toda a cadeia produtiva.
Para além dos ganhos em flexibilidade que “deverão permitir à indústria automóvel europeia recuperar competitividade relativamente à indústria asiática, e ser capaz de vencer os enormes desafios que se colocam actualmente no sector”, ou mesmo a diminuição do tempo entre a encomenda de um automóvel e a entrega do mesmo ao cliente, do projecto “resultaram metodologias e procedimentos que, promovendo a colaboração, garantem às empresas do sector uma capacidade muito diferente de resposta às incertezas do mercado e às alterações no sistema produtivo”, explica Jorge Pinho de Sousa.
“Como é óbvio, hoje em dia, em ambientes dinâmicos e de grande imprevisibilidade, este factor é um trunfo importante no desempenho das empresas”, remata o coordenador. Sendo integrado e de grande dimensão, este projecto vem assim trazer um novo fôlego à indústria automóvel europeia, permitindo um ímpeto competitivo com as congéneres asiáticas e norte-americanas.
Resultados “extremamente encorajadores”
Uma vez que níveis mais elevados de colaboração entre os parceiros da rede constituem a base para a abordagem adoptada, torna-se necessário não só disponibilizar soluções informáticas avançadas, mas também “garantir uma ‘cultura de colaboração’, envolvendo por exemplo uma maior partilha de informação, cuja disseminação constitui um enorme desafio”, explica o docente. Assim, o projecto teve de desenvolver soluções técnicas avançadas e também procedimentos “para promover essa cultura, muitas vezes combatendo hábitos antigos e arreigados”, revela.
De acordo com o investigador, apesar das dificuldades encontradas, “os resultados globais do projecto foram extremamente positivos e encorajadores, com um real impacto nas empresas do consórcio e no sector em geral”. Já sob o ponto de vista do INESC Porto, houve, como é natural num projecto desta envergadura, o desenvolvimento de um conjunto significativo de competências. Mais do que isso e talvez até mais importante,”aprofundou-se o conhecimento da indústria automóvel e dos enormes desafios que se lhe colocam nos tempos que correm e, sendo este sector de alguma forma paradigmático, esse conhecimento será seguramente replicável e irá ter reflexos positivos no desenvolvimento de projectos inovadores com outras indústrias no futuro”, revela o investigador, confiante.
Para além dos resultados concretos, em termos gerais, o projecto foi “apreciado positivamente por várias empresas do sector, como demonstrando o potencial dos métodos desenvolvidos”, mas também como passível de “contribuir para uma alteração da ‘atitude’ dos múltiplos actores do sector, no sentido de se promoverem formas mais avançadas de colaboração e partilha de informação”, acrescenta Jorge Pinho de Sousa. E, mais ainda, com o “crescente reconhecimento da importância destes instrumentos”, o projecto surge assim como um passo decisivo e revolucionário para se ultrapassar e “vencer os enormes desafios que se colocam actualmente à indústria automóvel”, conclui.