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"No meu percurso profissional tenho tido contacto com vários “inesquianos”. Deixei aqui o testemunho relativo aos dois que mais influenciaram o meu crescimento." José Costa Pereira (CTM)

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Pensar Sério

Inesquianos da Minha Vida

Por José Costa Pereira*

Quando me desafiaram a escrever um artigo para o BIP confesso que me mostrei relutante; afinal — pensei — o que teria eu para dizer à comunidade (INESC TEC) que justificasse tal destaque? Como o artigo é de “tema livre”, comecei a divagar sobre o que poderia ter interesse para o leitor. A intranet avivou-me a memória, e fiquei a saber que a minha ligação ao INESC TEC data do ano de 2003. Nessa altura, a minha passagem pelo “INESC Porto” (como era então designado) foi bastante fugaz. Mas num rápido exercício de memória constato que, desde então, o meu percurso foi altamente influenciado por “inesquianos”. Descrevo então alguns pormenores do meu percurso e a influência de dois ilustres “inesquianos”: o André Puga e o Nuno Vasconcelos.

A licenciatura — em Eng. Informática e Computação na FEUP — completei-a quando ainda estava na rua dos Bragas. No 2º semestre do último ano (1999/2000) lá fui fazer o habitual estágio curricular.

Escolhi (e fui escolhido) pela Vodafone; no início do século o mercado de telecomunicações atravessava um período de grande efervescência, e pareceu-me um excelente desafio. Estávamos em pleno período de transformação da marca “Telecel” para “Vodafone”. Como gostaram do meu trabalho na empresa, propuseram-me continuar. O sentimento foi recíproco, e por isso aceitei a proposta. Comecei com grande entusiasmo na minha nova “vida empresarial”, mas certo é que, passado cerca de um ano, voltei a sentir vontade de voltar a estudar. Pensei para comigo que se voltasse a estudar, não tinha que ser necessariamente na área das telecomunicações, onde agora me movimentava com bastante “à vontade”. Procurava algo que me permitisse expandir os meus conhecimentos nas ciências fundamentais da engenharia. Sempre gostei das cadeiras que outros pareciam não gostar assim tanto como Matemática e Física. Pus-me então em campo, e encontrei um programa de mestrado que me chamou a atenção; “Métodos Computacionais em Ciências e Engenharia”. Tratava-se de uma parceria entre a Faculdade de Ciências e de Engenharia, na Universidade do Porto. E foi assim que aconteceu o meu regresso à universidade: o advento da minha entrada no INESC Porto.

Num ápice estava a cumprir a parte curricular em horário pós-laboral, continuando com meu trabalho na Vodafone. Na parte mais avançada do curso houve alguns seminários com o objetivo de nos ajudar na escolha do tema de tese. Mas como não fiquei particularmente impressionado com as propostas, recorri aos meus antigos professores na FEUP. E aí aparece o primeiro “inesquiano” desta história, o André Puga. Prontamente se dispôs a ajudar e falou-me sobre várias hipóteses de investigação; todas na área de processamento de sinal. Após algumas reuniões, escolhi um projeto sobre separação cega de fontes coincidentes no espectro, utilizando análise em componentes independentes. Este trabalho tinha diversas áreas de aplicação e confesso que me senti bastante realizado com uma em particular; que visava identificar o processo de crescimento de nova vasculatura no cancro da mama. Foi a partir daqui que fiquei com a convicção que queria aprofundar os meus conhecimentos na área de visão por computador. No seguimento da tese, o André desafiou-me a apresentar o trabalho da tese numa escola de verão em Berlim. E foi como colaborador do INESC TEC que fui apresentar o meu trabalho.

Por vezes há coisas que nos ficam na cabeça. Eu que até nem tenho uma boa memória, lembro-me deste episódio como se tivesse acontecido ontem. Durante a defesa da tese, e já depois das perguntas difíceis do arguente externo; foi passada a palavra ao André. Naquele seu jeito discreto e bem disposto, não fez qualquer pergunta e, com um sorriso disse apenas que aguardava, pacientemente, a minha chegada ao outro lado do púlpito. Foi aí que senti que este obstáculo estava ultrapassado.

No fim de tudo isto sentia-me cansado. Gerir o trabalho e o mestrado obrigou-me a crescer em termos de gestão do tempo; para além de ter aprofundado os meus conhecimentos em muitas áreas. Por isso o doutoramento não era para o imediato...

Cansado mas não desiludido, e por isso fui recolhendo informações sobre o processo de candidatura a programas doutorais em universidades estrangeiras. Como já tinha essa ambição — sem saber se poderia algum dia satisfazê-la — as palavras do André alimentaram o meu entusiasmo. Nesta altura surgiu — através um colega da área — um desafio profissional aliciante: juntar-me à equipa de redes de dados da Alcatel (hoje integrada na Nokia). Desafiante porquê? Porque a Alcatel tinha acabado de comprar uma startup nos EUA (Timetra), que tinha no portfólio equipamentos de rede IP/MPLS bastante promissores. E com esses produtos tinha alargado a sua base de clientes na Europa. Em Portugal, era fornecedora da maior solução de triple-play de cobertura nacional. Decidi aceitar o desafio e com isto, a chama (re-)acendida pelo André ficou mais ténue mas não se apagou.

Passados 2 anos a vontade de embarcar no doutoramento já ultrapassava em larga medida a motivação para continuar na Alcatel. Tinha tomado a decisão de me candidatar a um programa doutoral. Pelo menos tentar, pensei eu. Queria aprofundar os conhecimentos que adquiri no mestrado. Nesta fase entra em cena o segundo “inesquiano” desta história: o Nuno Vasconcelos, professor na Universidade da California, em San Diego e membro fundador da PAPS (Portuguese American Post-graduate Society).

Antes de escolher a universidade e o programa doutoral em si, achei que precisava de algum apoio financeiro para este desafio. Apesar de ter algumas poupanças, sabia que estudar nos EUA a este nível era significativamente mais caro do que em Portugal. Numa universidade pública, como a University of California, as propinas anuais andavam à volta dos 25.000 USD; numa universidade privada como Stanford ou o MIT era mais ou menos o dobro… Proibitivo, portanto!

Candidatei-me a algumas bolsas de doutoramento e aceitei a da FCT que era a que me parecia dar mais garantias. Entre preparar as candidaturas a bolsas e universidades, e a chegada da resposta que eu tanto aguardava passou mais ou menos um ano (fica a dica para quem possa estar a pensar nisso!).

A decisão estava tomada; iria frequentar o programa doutoral em Intelligent Systems, Robotics and Control da University of California, San Diego.

Chegado aos EUA já com alguma experiência profissional, estava agora de volta à sala de aula. Lá, como cá, os programas doutorais têm uma parte curricular. Esperavam-me nada mais nada menos do que doze(!) cadeiras, antes de me dedicar à investigação a tempo inteiro. Na verdade só mesmo o primeiro trimestre foi totalmente dedicado às aulas; na prática, toda a gente começa a fazer algum tipo de investigação a partir do segundo trimestre. Na maioria dos casos, os alunos precisam de garantir financiamento para poderem continuar no programa. Ao contrário de mim, a maior parte dos alunos que chega aos EUA tem bolsa apenas para um ano, depois… é um salve-se quem puder! Por isso mesmo são encorajados a contactar os professores desde cedo para obter financiamento para os anos subsequentes. A precariedade de quem quer dedicar-se à investigação daria para vários artigos, mas deixo essa temática para outra oportunidade. Por força da bolsa conquistada em Portugal, este não era, felizmente, o meu caso.

Ao início a minha preocupação fundamental era tirar boas notas nas cadeiras e desfrutar de toda a experiência universitária. O sistema de trimestres, muito usado nas universidades Americanas, é bastante exigente. Quem já passou por ele sabe como funciona. São normalmente dez semanas de aulas, seguidas de uma semana para fazer os exames de todas as cadeiras. Na primeira semana parece que está tudo sob controlo e no final da segunda semana está, normalmente, o caos instalado.

Quando comecei a dedicar tempo à investigação, foi já com a orientação do Nuno Vasconcelos. Que tinha conhecido por intermédio do André. Rapidamente me apercebi que ele é um supervisor exigente. E como dificuldade adicional, lembro-me como os meus colegas (também alunos do Nuno) me olhavam com alguma desconfiança por ser, também eu, português. Pensei que me deviam ver como uma espécie de espião; um informador do Nuno. Mas a verdade é que ele é exigente com todos; e hoje quando falo com os que comigo partilharam estas experiências ainda soltamos umas boas gargalhadas.

Houve alturas difíceis durante o caminho; lembro-me quando em menos de seis meses, três dos meus colegas acabaram por desistir do curso. Um deles tinha entrado comigo… há mais de 3 anos(!). Todos eles extremamente capazes; a prova disso é que hoje trabalham em grandes empresas como a Google e o Facebook. Mas estes são acontecimentos que abalam as nossas convicções; e nos fazem pensar.

Com resiliência, muito trabalho, a dose necessária de café e a ajuda de bons amigos fui ultrapassando diversos obstáculos. Fazendo investigação e publicando os meus resultados, alcançando assim as metas de um programa com esta exigência. O dia da graduação também chegou para mim.

José Costa Pereira

Vestido para o dia da graduação, perto de um agente de San Diego’s finest.

No meu percurso profissional tenho tido contacto com vários “inesquianos”. Deixei aqui o testemunho relativo aos dois que mais influenciaram o meu crescimento.

Levo menos de um ano a trabalhar no INESC TEC, mas estou certo que há toda uma rede de “inesquianos” em Portugal e no estrangeiro que merecem o reconhecimento da comunidade. A todos eles, envio o meu agradecimento.

Até breve.

NOTA: texto adaptado para as regras do novo acordo ortográfico.

*Colaborador do Centro de Telecomunicações e Multimédia (CTM) do INESC TEC