O PRAZER DOS 10 MILHÕES
10 milhões é o número redondo que dá jeito usar para referir a população de Portugal. Este país é atlântico, ainda que muitos o confundam com mediterrânico, adjectivo que se refere ao “mar no meio das terras”. Só há 10 milhões de anos, porém, é que as placas da África e da Ásia definitivamente se encostaram no médio oriente e fecharam o Mar de Tétis. Ficou assim separado o Mediterrâneo do Índico, oceano que já banhava a Índia e por onde Afonso de Albuquerque chegou a Goa, no século dezasseis, precisamente no seu ano 10, quando os portugueses se afirmaram no Oriente.
10 milhões é, aliás, o número de pessoas que se admite morreram na Índia em virtude da peste negra, num surto epidémico no século dezanove. Esta epidemia foi tão terrível que se estima que já no século 14 e num período de apenas 4 anos a população da Europa ficou reduzida a 50%. Na falta de uma explicação, o terror e a superstição imperaram e tudo serviu de bode expiatório: ignoraram-se os óbvios culpados, os ratos, e atribuiu-se o infortúnio à feitiçaria, aos judeus e aos cometas.
10 milhões de quilómetros é, não surpreendentemente, o comprimento que a cauda de um cometa pode assumir, quando o vento solar lhe arranca poeira e a arrasta pelo espaço. Isto é uma distância insignificante, porém, se pensarmos à escala universal - o agrupamento de galáxias onde estamos designa-se por Grupo Local e espalha-se por uns 10 milhões de anos-luz, uma distância que o nosso cérebro não consegue conceber senão pela razão, apesar de a luz entrar pelos nossos olhos dentro.
10 milhões é, curiosamente, o número de neurónios de que o corpo humano dispõe para capturar informação do exterior e encaminhá-la para o sistema nervoso central. O nosso cérebro está dividido em dois hemisférios e a informação é processada pelos neurónios associativos, que somam vinte milhões – o que, se quisermos, dá uns 10 milhões de neurónios ao serviço de cada hemisfério. Como sabemos hoje, as metades do cérebro têm uma espécie de vida independente ou, pelo menos, com distintas aptidões. Enquanto o hemisfério direito se atribuem capacidades emocionais e de síntese de informação, é ao esquerdo que cabem as representações geométricas, analíticas ou lógicas.
10 milhões é, então, um número que o hemisfério esquerdo poderá compreender e tanto mais quanto ele derivar de aritmética complexa. Por isso, quando nos apercebemos de que o INESC Porto, em 2009, fecha as suas contas com o assinalável recorde de ultrapassar pela primeira vez a barreira dos 10 milhões de Euros na sua execução orçamental, não ficam dúvidas que esse valor será pesado, contado e dividido pelo hemisfério esquerdo. Claro que ainda não é facturação mas, se pensarmos que o Plano para 2010 já contempla esse cenário, podemos dar esse o ousado de assumi-lo. A razão nos assiste - porém, quando vemos o número, também uma estranha síntese de emoções nos assalta e preenche: admiração, orgulho, espanto, confiança, prazer.
10 milhões de Euros: se não tivéssemos cérebro direito, sorriríamos tanto, ou de tanta satisfação? Possivelmente, embora não pelas mesmas causas. Mas melhor é ser assim, emoção e razão, como sempre sonhámos ser, e ter prazer pelas duas vias.