SABEDORIA E TERRA QUEIMADA
Estamos perante o perigo da terra queimada. Não o menosprezemos.
Os portugueses, mas não serão os únicos, sofrem do inevitável tropismo pela solução miraculosa: creem no apó mēchanēs theós, a intervenção mágica e mirabolante que resolve o drama.
Mas o deus ex machina não tem memória, nem pode ter: de outra forma, hesitaria, aproveitaria a experiência, ponderaria os efeitos, aproveitaria o conselho e proporia intervenções incrementais. Ora o que o desejo fundo do instinto lhe sugere é o contrário disto: salvador providencial, solução miraculosa e terra queimada no restante.
A motivação encontra duas razões poderosas e não opostas necessariamente: o interesse e a ignorância. Das duas, é a última a mais nefasta e perigosa. Pois com o interesse, uma vez detetado, se pode negociar e chegar a compromisso – mas com a ignorância não.
Com o INESC Porto e agora o INESC TEC, levámos décadas a demonstrar a importância de uma política de gestão, para que a ciência em Portugal frutificasse. A nossa experiência é evidenciada pelos nossos resultados – mas temos que ser prudentes no exibir dos argumentos.
Atribui-se a Aristóteles o epigrama laudare se vani, vituperare stulti, e não queremos cair em nenhum dos vícios: nem no vão autoelogio nem na estulta autodepreciação. Mas pensamos ter legitimidade para afirmar que Portugal continua a necessitar, mais do que excelência na ciência, de excelência na gestão da ciência.
Por isso, temos o dever patriótico de contrariar a ideia de que se podem dispensar as instituições e o seu poder regulador e de mobilização estratégica.
Acreditar que basta dar dinheiro aos cientistas, aos indivíduos, para que o sistema científico se organize, se estruture, é terra queimada sobre um lento acumular de sabedoria que se consolidou a duras penas.
Alguns periféricos, dos que não conseguiam o que pretendiam quando tinham que prestar contas a alguma organização, esperam agora poder contar com algum amigo para que recebam o que antes não conseguiam. Por isso, vocalizam o seu desejo de "nova política", quando o que pretendem é política nenhuma, e anunciam a solução mágica – pessoas e não organizações – porque contam que a magia lhes pagará portagem.
Quando se desorganiza um sistema, há sempre quem beneficie na confusão dos despojos e não pelas melhores razões.
P.S.
Quosque tandem abutere, QREN, patientia nostra?
Delenda est buroQREN.
[Qvosque tandem abvtere, Catilina, patientia nostra? (Cícero, Oração I contra Catilina: Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?)
Delenda est Cartagho (Catão o Velho, no fim de cada discurso: Cartago deve ser destruída)]
Créditos da Foto - Flickr (DR)