Asneira Livre
Da Criatividade
Por Pedro Costa*
Reparei recentemente que quando as pessoas saem de casa fazem uma espécie de ritual para confirmarem que não se esqueceram de nada. Uma mão em cada bolso das calças (“telemóvel…carteira…”), mãos a pressionar os bolsos do casaco (“chave…lenços…”), nada falta e saem porta fora, para a sua rotina. Quando sou eu, é muito comum esta confirmação incluir um livro. Eu adoro ler. Quando era criança, lia tudo o que encontrava. E quando digo tudo, é mesmo TUDO! Ao ponto de ser um tormento para os meus pais ouvirem o nome de todas as lojas por onde passava, os slogans dos cartazes de propaganda política ou até a data de validade dos pacotes de sumo que bebia.
Desde adolescente, e agora adulto, tenho praticamente sempre um livro comigo. Não só pelo gosto que tenho de aprender mais, me embrenhar nas histórias e viver outras vidas através das personagens, mas também para combater a vil falta de criatividade que me assola por ter uma profissão técnica. Explicando, quando era aluno do Ensino Secundário, conseguia escrever textos bem mais criativos do que agora. Textos menos telegrafados, menos técnicos, que se assemelhassem um pouco mais ao que penso, e um pouco menos aos relatórios que fui tendo que fazer ao longo dos anos. O Ensino Superior e o tema de estudo permitem-nos poucas veleidades neste aspeto. Tanto o formato das nossas comunicações escritas como, e especialmente, o que o nosso interlocutor espera ler estão predefinidos e “ai de nós” que tentemos alterá-lo.
Não sou o único a sentir isto. Conheço casos de pessoas próximas de mim que sofrem muito com estas restrições à criatividade. Desde alunos universitários que têm toda a sua investigação para a dissertação pensada e estruturada pelo orientador sem poderem alterá-la, a familiares adolescentes que sentem que o seu caminho já está tão pré-determinado que o seu futuro…ou se encaixa numa das caixinhas em que esperam que eles aterrem, ou estão bem tramados. A criatividade, hoje em dia, restringe-se àqueles que a praticam como profissão ou a cultivam fora do trabalho. Eu até percebo a necessidade de uniformização e estruturação (afinal sou engenheiro), mas não concordo. Também na Engenharia tem que haver espaço para a criatividade. Ninguém trabalha motivado se não conseguir ser minimamente criativo.
É por isso que gosto de trabalhar no BRAIN (grupo do C-BER coordenado pelo Professor João Paulo Cunha). Fazemos um trabalho sério, de responsabilidade, mas com a possibilidade de sermos criativos e “engenheirar” soluções personalizadas para os problemas. Lembrem-se do vosso “eu” de 18 anos. Não era mesmo isso que procuravam quando decidiram ser Engenheiros?
*Colaborador no Centro de Investigação em Engenharia Biomédica (C-BER)