30 Anos à Conversa
30 anos à conversa
Nuno Almeida: Quais são as principais recordações que tens da vida inicial do INESC no Porto?
João Pascoal Faria: Recordo-me de uma apresentação sobre o INESC efetuada pelo Prof. José Tribolet na FEUP em 1985, quando estava a terminar a Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica, e que, conjuntamente com as intervenções do Prof. Borges Gouveia e do Prof. Pimenta Alves, foi determinante para a minha adesão e de outros colegas ao INESC no Porto. Curiosamente já conhecia o nome do Prof. José Tribolet de um artigo científico, pois um dos meus últimos trabalhos na licenciatura consistiu na implementação em Pascal no Spectrum (emprestado pelo Rui Margarido …) de um novo algoritmo de processamento de sinal por ele desenvolvido, para uma disciplina do Prof. Francisco Restivo. Um dos aspetos mais positivos e marcantes da vida INESC durante muitos anos foi possibilitar a convivência e colaboração entre investigadores de diferentes instituições de ensino superior do país na área da engenharia de sistemas e computadores, através de encontros, projetos conjuntos e outras iniciativas (outro aspeto foi a disponibilidade de computadores Macintosh …). Tive também a oportunidade de colaborar no emblemático projeto SIFO, onde trabalhei no projeto de circuitos integrados para ISDN sob orientação do Prof. Ruela Fernandes.
Nuno Almeida: Ao longo de 30 anos de colaboração com o INESC no Porto, qual foi para ti o projeto mais marcante em que participaste?
João Pascoal Faria: O projeto mais marcante foi o projeto Autarquias, liderado pelo Prof. Vladimiro Miranda (e mais tarde pelo saudoso Eng. Agostinho Andrade) e ‘apadrinhado’ pelo Prof. Borges Gouveia, em que comecei a colaborar por volta de 1987/88. Foi um projeto de grande dimensão e impacto na sociedade, que se prolongou por vários anos, tendo resultado nomeadamente no sistema SIGMA de gestão municipal e autárquica, mais tarde transferido para a Medidata (atual líder de mercado), que o tem mantido e estendido. No seio do projeto Autarquias, para reduzir a dependência de plataformas e acelerar o desenvolvimento de aplicações, acabámos por criar em 1989 a nossa própria ferramenta de desenvolvimento rápido de aplicações — o SAGA (Sistema Assistido de Geração e Gestão de Aplicações), cujo desenvolvimento e evolução liderei até 1999, com contribuições de muitas pessoas, entre as quais é justo destacar o João Ranito (mais tarde administrador da Novabase). O SAGA passou a ‘prova do tempo’ pois continua ainda presente no mercado passados mais de 25 anos, tendo a sua reengenharia para ambiente Web sido realizada pelo INESC para a Medidata em dois projetos relativamente recentes que liderei (SagaWeb e WebReports).
Nuno Almeida: Como perspetivas o futuro da área de software no INESC TEC?
João Pascoal Faria: Sendo eu apaixonado pelo software, um acontecimento que considero muito marcante na vida do INESC Porto / INESC TEC nos últimos anos foi o grande crescimento da área de software, através da adesão de grupos de investigação como o CRACS, o LIAAD e o HASLAB, bem como do grande crescimento do atual CSIG com a adesão de investigadores de diversas instituições de ensino superior. Pessoalmente, tive um envolvimento reduzido no INESC após a conclusão do doutoramento em 1999 e até cerca de 2011, mas considero que a experiência adquirida nesse período em funções de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em diversas empresas de software, como a Novabase Saúde, a Sidereus, a Medidata e, mais recentemente, a Strongstep (uma spin-off da Universidade do Porto que ajudei a lançar, líder de mercado em consultoria para melhoria de processos e qualidade de software) é uma mais-valia importante para o futuro no INESC. Creio que o crescimento da área de software do INESC permitirá fortalecer cada vez cada vez mais o impacto e visibilidade nacional e internacional do INESC TEC nas áreas da ciência e engenharia de software e de dados, para o que espero dar a minha contribuição como atual coordenador da área de engenharia de software no CSIG, sem descurar as responsabilidades de gestão académica como atual diretor do MIEIC (Mestrado Integrado em Engenharia Informática e Computação) na FEUP. Ao fim e ao cabo, estando resolvidas as questões básicas associadas às infraestruturas de computação, automação, comunicação e energia, o progresso far-se-á cada vez mais pelo software, nos mais diversos domínios de aplicação.
João Pascoal Faria: Indo 30 anos atrás, qual foi o primeiro projeto em que trabalhaste?
Nuno Almeida: O primeiro projeto em que trabalhei foi na área das fibras óticas. Nessa altura, no ano de 1985, o uso de fibras óticas estava a começar e o desafio de transmitir sinais de banda larga era aliciante. Assim sendo, esse primeiro projeto consistiu em desenvolver/testar um sistema de transmissão (e receção) de sinais de vídeo, através de fibra ótica, no qual ficasse provado a validade do conceito.
O sistema concebido teve, então, uma parte emissora, a qual foi desenvolvida/implementada por mim, e uma parte recetora que foi desenvolvida/implementada pelo António Gaspar.
Em termos técnicos, como ainda não existiam os formatos de vídeo digital, optou-se por usar uma modulação (do feixe de luz) chamada PWM (Pulse Width Modulation), a partir da amostragem a alta frequência do sinal de vídeo. Os componentes óticos usados estavam na janela dos 850 nm e as fibras eram multimodo (o disponível na altura).
Os testes do sistema comprovaram a validade do conceito, tendo este, e alguns outros trabalhos a decorrer no INESC, contribuído para o arranque de um projeto muito mais importante que foi o projeto SIFO (Serviços Integrados por Fibra Ótica), no qual também participei.
João Pascoal Faria: Nessa época, em 1985, qual foi a sensação de ir trabalhar no INESC TEC (na altura INESC Norte)?
Nuno Almeida: Na altura, a ideia de ir trabalhar em investigação e desenvolvimento foi deveras entusiasmante, visto que, durante o curso, praticamente ninguém pensava em tal hipótese. A sensação foi de um enorme privilégio e essa sensação foi sendo consolidada consoante os resultados do trabalho iam aparecendo.
Nos dias de hoje, julgo que é mais difícil sentir-se esse “privilégio”, visto que os jovens têm contacto com as tecnologias desde cedo. No entanto, apesar das atividades de investigação e desenvolvimento não serem (felizmente) tão exclusivas como antigamente, acho que os atuais estudantes continuam a ter grande apelo por estas atividades, ao sentirem que podem contribuir para o progresso tecnológico global.
João Pascoal Faria: Passados 30 anos, na tua opinião, qual a direção/novos desafios que o INESC TEC devia seguir/tomar?
Nuno Almeida: Mesmo estando sempre algo dependente dos programas científicos-tecnológicos financiadores das atividades de ID (os quais condicionam, em parte, os objetivos de potenciais projetos), parece-me que o INESC TEC está a voltar-se cada vez mais, e bem, para a vertente do desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Assim, alguns exemplos, onde a incorporação de maior tecnologia trará um evidente benefício para a sociedade, julgo serem as áreas da racionalidade energética, da rentabilização sustentável do mar e das florestas, do “assisted living”, do apoio à saúde, educação e cultura, não esquecendo, para todas estas áreas, da necessidade das comunicações ubíquas.