A ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O GATO COM RABO DE FORA
Com pompa (esquecida a circunstância da crise, ou pour cause) foi anunciada a discussão pública da Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020. A ambição: substituir o documento homónimo produzido em 2007, dotando a estratégia de uma perspetiva mais direta e concretizadora.
Esse novo documento é vasto e merece reflexão. Aliás, é saudável o atrevimento de tentar esboçar uma estratégia para 7 anos num país habituado a navegar à vista.
Importa, portanto, verificar se não se trata de uma sofisticação documental do que nos habituámos a classificar como exercícios de power point technology. Ou seja: gráficos coloridos, muitas setinhas para cá e para lá (afinal, tudo tem relação com tudo) e frases pomposas sobre o húmido destino de Portugal, impressionando pelo impacto sensorial. Nesse foguetório, fica esquecida a capacidade de construir e executar ou convence-se o auditório de que meras fantasias são chã realidade.
Nesta análise sumária ao cardápio de projetos que foi destilado como corporização da estratégia na ação, o que ressalta de imediato é, no que respeita à projetada participação das Universidades e entidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, uma despudorada marcação do terreno em favor de algumas instituições, privilegiadas sabe-se lá bem por quê. Na verdade, em nenhum das muitas dezenas de projetos elencadas aparece referida uma única vez a Universidade do Porto – isto é credível?
Ah, sim, há universidades de Lisboa, e mesmo escolas da capital (escolas!), clarissimamente identificadas pelo nome como "entidades participantes – equipa técnica especializada" envolvida nos projetos. Não vamos esquecer uma referência à Universidade do Algarve e duas à Universidade de Aveiro para enfeitar – mas o sabor do global do documento a centralismo é inequívoco: Lisboa, Lisboa e mais Lisboa, e além de Lisboa, peninhas no chapéu.
Então a maior e internacionalmente mais cotada universidade portuguesa – a Universidade do Porto - não tem nenhuma competência, nenhuma referência, nenhuma, enfim, existência?
Então não se trata de uma proposta para uma estratégia nacional?
Há aqui manipulação da agenda – ou as cartas já estão marcadas?
As leituras apressadas têm riscos, alguém há de vir explicar que sim que não, que pa-ta-ta pa-ta-ta.
Mas um documento de estratégia nacional, que se anunciava como pretendendo ser mobilizador, não devia, não podia correr o risco de ser acusado do pecado do despudor: de ser um – mais um – instrumento de enviesamento das políticas e dos recursos e do investimento (e da capacidade de sonhar ambiciosamente) em favor do centrão glutão da capital.
O rabo está de fora, porventura o gato já nem sequer se preocupa em esconder-se.