CIÊNCIA E SOBREVIVÊNCIA
O século XX foi o que trouxe à Humanidade a consciência dos limites – de recursos, de crescimento de população, de espaço no planeta. E de ar.
A Humanidade, porém, não é uma pessoa, que aprenda e se corrija. A Humanidade é um enorme vespeiro estatístico, onde cada um pesa diferentemente consoante um articulado jogo de poderes. Além do que alguns dos erros no ignorar dos limites podem não ter correção possível.
Durante o século XX, nas sociedades ditas ocidentais, vivemos na ilusão de que estava chegada a era da ciência. A ciência traria as respostas para um mundo melhor, justo e em paz. Tratou-se de uma contaminação das elites do século XIX que perdurou.
Esta miragem da utopia foi barbaramente desmentida em sucessivos conflitos globais, sangrentos e desumanos, sem que a ilusão se abalasse sobre o que a ciência produziria. Sim, armas químicas de guerra, mas também sulfamidas e antibióticos, sim guerra bacteriológica, mas também vacinas, sim bombas nucleares, mas também energia para todos, sim caças e mísseis mas também aviação civil e ida à Lua. Como que dois pratos da balança onde é possível ir equilibrando o mal com o bem.
Porém, a Terra tem um limite e não é possível continuar neste equilíbrio insano por muito mais. Por isso, para o bem e para o mal, o século XXI será o do tira teimas.
Ninguém quer afirmar que as alterações climáticas serão irreversivelmente destruidoras da Humanidade. É um futuro demasiado trágico para que agrade ser encarado ou admitido. Um político que o afirmasse seria enxovalhado, não ganharia eleições. Cientistas que sustentassem tais previsões seriam ridicularizados, marginalizados. Por isso, muitos preferem tentar sensibilizar os decisores com cenários moderadamente graves, escovando para debaixo do tapete as possibilidades mais angustiantes. É o jogo do ninguém quer acreditar, por demasiado mau para ser verdade. Eppure...
Está em marcha uma ação de descredibilização da ciência e o ano de 2018 arrisca-se a ser trágico. Essa descredibilização não é alheia à descredibilização dos factos. A verdade passou a ser o que se quer que seja, e não algo imparcial, neutro, fora dos esquemas das emoções e crenças. A autoridade do saber já não pesa, na voragem das redes sociais em que se geram sem regulação os movimentos mais inaceitáveis e em que o anonimato protege a boçalidade a ignorância – e permite o triunfo dos manipuladores organizados.
O ano de 2018 pode ser um ano trágico, no desvario do querido líder do país mais poderoso do mundo, que se afirma como general no combate à verdade científica. Ou pode ser um ano de redenção, se milhões de pequenas vozes como a nossa ganharem consciência de que só a verdade protege a ética e só esta garante a convivência, e contribuírem para defender um dos mais belos e preciosos triunfos da humanidade: a ciência, e o conhecimento que dela deriva para o bem.